As reticências podem ser preenchidas com "argentinas" ou "inglesas". Por força de solidariedade latina e postura anti-imperialista, com pose politicamente correta, a palavra "argentinas" salta impensadamente da boca, aparelho excretor do cérebro segundo Millôr. Será que as coisas são simples assim, bastando escolher um lado como se fosse Atletiba e fazer barulho com vuvuzela para ter razão? Diga-se, há espaço para racionalidade nessas situações? Duvido que haja, mas alguém deve se prestar à condição de xarope de plantão para dizer epa, pera lá!
Tivemos litígio territorial com os gringos e perdemos a parada, cedendo 20 mil quilômetros quadrados de Roraima para a Guiana Inglesa. O nosso advogado foi Joaquim Nabuco; a lide atravessou o século 19 e o laudo decisório é de 1904. Vamos retomar à força a região do Pirara a pretexto de reparar dano resultante de imperialismo? Há minérios, água, biodiversidade e, além disso, lavaríamos a honra ultrajada pela perfídia britânica que foi se apossando sorrateiramente e depois reclamou o território. Vamos deixar barato a perda de terra do tamanho de Sergipe? Será que ninguém pensa no assunto porque do outro lado hoje não está a Grã-Bretanha, mas um país paupérrimo, politicamente confuso. Travar essa luta contra pobre não dá ibope? Chique é enfrentar os britânicos para assim parecer valente e o mérito da causa ficar embaçado pela neblina retórica sobre primeiro mundo versus terceiro mundo, metrópole versus colônia.
Em agosto de 1828 dom Pedro I reconheceu a independência do Uruguai, até então a Província Cisplatina. Vamos reclamar a colônia de Sacramento, lusitana desde 1680? O absurdo dessa possibilidade denota a força da expressão ex facto oritur jus (do fato nasce o direito). O tempo consolidou um fato e as pessoas envolvidas se veem em relação de direito e obrigação. No caso, a obrigação brasileira não apenas de reconhecer, mas de proteger a independência e autodeterminação dos uruguaios.
Quando o Reino Unido ocupou as ilhas em 1833 a República Argentina não existia. O Estado com a face federativa atual é de 1853; até então havia emaranhado de províncias autônomas que não aceitavam a autoridade de Buenos Aires. A tese anti-imperial é frágil porque, a rigor, a reivindicação platina assenta sobre antiga ocupação colonial espanhola do arquipélago, da qual a colônia Argentina seria herdeira.
Até 1982, ano em que a ditadura militar presidida pelo bêbado Galtieri resolveu invadir as Malvinas, as relações entre ingleses e argentinos era tranquila e, talvez, uma solução diplomática pudesse ser construída. Com a guerra e os soldados mortos na retomada do território, o orgulho nacional britânico ficou ferido. Quanto tempo para curar a chaga? Um século, dois? Os eleitores do Reino Unido triturarão qualquer político que aceite negociar a cessão das ilhas Falklands. O sangue derramado para repelir a agressão demora a ser esquecido.
A passionalização das divergências políticas é a mãe do embuste. As dificuldades gerenciais do governo Kirchner estão sendo dissimuladas pela agitação metódica, calculada, do fervor patriótico. Não chores por ela, Argentina.
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