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Lunfardo é modo de falar dos portuários de Buenos Aires nos tempos áureos da cidade que atraía europeus de todas os rincões. Lombardos, napolitanos, piemonteses, franceses, galegos, polacos, alemães. Nesse cadinho babélico guiado pela hispanofonia se criaram palavras e prosódia de malandragem, com toque de troça de criança que fala na língua do pê para não ser entendida pelos adultos. Nos tangos e milongas o lunfardo ganhou fama e muitas das suas invenções penetraram o português brasileiro, como cana – significando polícia –, embromar, otário, fajuto, mina, afanar. Músicas e letras narrando amores infinitos que terminaram em crimes e tristezas embalaram dança sensual, quase erótica, mundo afora. Depois, de certa forma, a melancolia pungente fadigou o público e o tango passou ao status de curiosidade para turistas brasileiros que visitam as plagas portenhas e o lunfardo caiu em olvido.

Perdida a ginga, sobrou a passion na política, economia, relações pessoais. Tudo como si fuera esta noche la última vez, sem espaço para ceticismo, incredulidade. Quando Collor disse que haveria um ippon (golpe perfeito do caratê) para resolver a inflação, ninguém levou a sério e a falência daquele governo não foi o fim do mundo. Antes, Getúlio desferiu ippon em si mesmo e talvez tenha contribuído para a modernização do Brasil que se soltou das amarras do populismo de estilo fascista, coisa que a Argentina não conseguiu, ficando sob Perón até 1974. Depois disso a confusão governamental se acentuou e a violência ditatorial atingiu o clímax, com o assassinato de uns 30 mil ativistas políticos. Nos anos 60 a ditadura havia exilado os intelectuais e nos 70 exterminou a militância partidária que se opunha à extrema direita. Esses mortos não viram o Solidariedade na Polônia, Gorbachev brindando com Reagan, a queda do Muro de Berlim, a incorporação da Alemanha comunista à capitalista, o fim da Guerra Fria, a fossilização de Cuba. Sem filósofos e professores para pensar a política e sem políticos de esquerda para amadurecer e assumir governos em ambiente livre da guerra ideológica entre capitalismo e comunismo, a Argentina permaneceu ancorada no passado.

Getúlio Vargas para nós é nome de ruas e praças. O suicídio o transformou em história. Juan Perón para os argentinos é presença viva na rotina política. Os governantes atuais parecem médiuns que incorporam o espírito de Perón para legitimar as suas ações. Fantasmas povoam os corredores da Casa Rosada, especialmente agora que o panteão ganhou mais uma divindade: Néstor Kirchner. Cristina (a segunda viúva a herdar o governo) o invocou para dizer que ele apoia a expropriação da YPF, tomada da empresa espanhola Repsol.

Hiperinflação no fim do governo Alfonsín, recessão e desemprego sob Menem, abandono do governo por De la Rúa, presidentes interinos, calote da dívida pública em 2001, com quebra de bancos, empresas, famílias, emigração. Três períodos Kirchner e a tragédia se repete com inflação, desabastecimento, insegurança jurídica. Em qual patota a Argentina vai quedar?

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