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A liberdade de expressar opinião, dissentir, fazer troça não incomoda apenas os fanáticos religiosos. Qualquer obcecado sente desconforto com o questionamento. Ora, se a crença leva a se entregar de corpo e alma, a irrelevância ou oposição de outrem ao objeto do fervor fazem periclitar as certezas. A convicção irracional não basta por si, é preciso que todos a tenham na mesma direção e intensidade para que o adepto se sinta confortável e não mais um otário entre muitos que pululam na história humana.

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A postura defensiva das próprias convicções gera processo de contínuo reforço argumentativo que leva à radicalização, ao fundamentalismo, às certezas absolutas que vedam indagações, interpretações, sínteses. As caricaturas são perigosas para os radicais porque prescindem de extensa argumentação; bastam alguns traços exagerados para tirar o chão do edifício conceitual. Exemplo forte é o bigode de Hitler. Feio, deixa o rosto bolachudo, parecendo alegoria de palhaço triste. O ridículo facial revelava o interior do tirano que os alemães, cegos como serpente de flautista, não viam. Os satíricos, por essa janela, espreitaram a alma demoníaca e a expuseram, a exemplo do que fez Chaplin.

Pois bem, o prólogo se destina a afirmar que existem inimigos da livre expressão do pensamento. São ousados, resolutos, sedutores, violentos. Os amigos são pessoas que não se acham portadoras de grandes verdades ou revelações divinas. A rigor, gente meio insossa, insípida e inodora, cuja causa – a liberdade – parece tão óbvia que não lutam ardorosamente por ela.

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Sei que o leitor deve estar relacionando essas linhas ao massacre dos redatores do Charlie Hebdo, enésimo atentado de fundamentalistas islâmicos, merecedores de espaço nas páginas policiais, não nas de política e economia. Na verdade, as reflexões são semelhantes, mas quero versar sobre os prisioneiros políticos em Cuba. O adjetivo "político" ao substantivo "prisioneiro" significa que a pessoa está penando numa jaula porque a sua opinião política não se alinha com a de quem está no poder. O "crime" foi expressar pensamento.

O delito imputado a essas pessoas era tão lesa-majestade que bastou o reatamento das relações com os Estados Unidos para gesto de boa vontade que libertou 53 pessoas. Cubanos presos por vontade caprichosa do chefe do Estado que, isento das amarras do devido processo legal, pode fechar e abrir a porta da gaiola a seu bel-prazer. O monarca se sentiu ofendido e mandou prender. Depois, para americano ver, alforriou.

Para clarear o arbítrio desses encarceramentos, basta imaginar se Obama tivesse pedido a soltura de corruptos condenados por homicídio. Seriam soltos? A rigor, os libertados nunca deveriam ter sido presos. Diga-se, são parcela da quantidade de criminosos de opinião em Cuba, vítimas de regime que prometeu paraíso artificial e entregou o inferno da opressão.

Se houvesse Judiciário independente – uma das condições para a existência de democracia –, não haveria presos políticos em Cuba, porque a dignidade pessoal não seria ultrajada pela vontade ilimitada do ditador.

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