Era uma vez, há não muito tempo e nem muito longe, uma cidade construída no meio da república encantada para sediar palácios, casinhas de doce, ruas ladrilhadas com pedrinhas de brilhante. Fadinhas, duendes, anões de jardim, sacis-pererês, curupiras se mobilizaram para fazer a cidade onírica. Tinham tudo: espaço, ondulações suaves, clima ameno de altiplano, água, gente para trabalhar, um druida simpático e decidido. Com tanta mística, devia ser mais que cidade; monumento é o mínimo, diziam uns aos outros, extasiados com a chance de impressionar os gringos que não botavam fé nas fantasias da tropicália.
Em vários pontos da terra fantástica cidades estavam brotando do nada e havia modelos para todos os gostos. Urbes quadradas, redondas, aparisiadas, poliédricas; avenidas radiais, perimetrais, axiais. De Paranavaí se dizia que as patrolas seguiram a planta errada: havia duas, o engenheiro riscou um X sobre aquela a ser excluída e alguém, por engano, botou a correta na lixeira e assim as vias urbanas ficaram atravessadas pelas avenidas que se cruzam.
Londrina, Maringá, Cascavel, Toledo, cada uma com seu desenho caprichoso em alguns aspectos, racional em outros. O Paraná era, naquele momento, laboratório de "urbegênese". O Centro Cívico, em Curitiba, foi avant première dessas experimentações. Porém, lá no Planalto Central, sonhava-se com algo muito além da imaginação. Nada dessas caipirices serviriam para a magnitude desejada.
Acorreram muitos planos para a cidade-monumento. O Presidente Sorridente era apaixonado pelos ares e elegeu o desenho de avião. Basta lembrar a dificuldade para ir ao banheiro dentro de um deles, transpor o problema para a escala urbana e concluir que a ideia era menos mágica do que alvitravam Eduardo e Mônica.
A fábula começa a se tornar realidade e o local que era de magia e meditação se torna canteiro de obras com o ronco bruto dos motores e o rangido sincopado das betoneiras. A pretensão de originalidade evaporou na secura quando se percebeu que os prédios alinhados na esplanada eram cópia de subúrbio de Moscou. Ah, disseram os nefelibatas, isso é patrulha ideológica porque o gnomo-arquiteto é genial mesmo quando parodia.
Alguns plebeus, incapazes de entender os eflúvios gozosos, notaram que não havia escoamento pluvial e qualquer toró fazia das ruas rios; sem calçadas, pedestres não havia ali; a setorização pôs a farmácia a quilômetros da padaria e ninguém sabia onde estava a funilaria. Os selenitas, otimistas de profissão, diziam que tudo ia dar certo porque a cidade havia sido feita para poucos viventes no cimo da aristocracia.
Junto com João do Santo Cristo, que veio a Brasília com o diabo ter, milhões de pessoas vieram suplicar ao presidente e, súbito, a realidade expulsou o delírio e o lixo espalhado, carros estacionados sobre os jardins do éden, ônibus com aparência de sucata rodante, barbeiros de rua, churrasquinho de gato, se impuseram como o caos da normalidade surda às fórmulas mágicas.
Arrastando-se como Quasímodo, sem fenecer nem convalescer, o protótipo se tornou Protópolis, a terra do faroeste caboclo.
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