Outro rei faz 70 anos! Primeiro Pelé; agora, Roberto Carlos. Antes, não se podia confiar em ninguém com mais de 30. Hoje, gerontolatria. Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não, eles estão velhos. É verdade, gostavam de coisas ilegais, imorais ou que engordam, mas de modo mais contido que as novas estrelas. Essa liberdade romântica, diferente da liberdade agressiva, mal-educada, boçal, que marca alguns novatos na ribalta, cativou gerações. Depois deles, não apareceu mais ninguém e nós, como nossos pais, aprendemos nos discos. Baby, aquelas canções do Roberto, aqueles gols do Pelé, construíram nossas emoções. É dessas coisas que falamos, ao dizer que vivemos intensamente e que viver é melhor que sonhar. Belchior estava errado: o novo nem sempre vem.
O novo, faz muito tempo, parece ser a ausência de novidade. A transformação do Ocidente em três décadas 50, 60 e 70 fazia parecer que tudo permaneceria em ebulição. O novo, amanhã seria velho. O mundo girava rápido, dava tontura. Todo dia, novidades. Porém o frenesi cessou. Amanhã será igual a ontem. Não foi o sonho que acabou; foi a fervura, o movimento, o calor gerado por pessoas incomuns num tempo especial. Os que se preservaram dos excessos, sobreviveram e se tornaram reis de gente que a esclerose faz se mexer devagar, mas que pensa ligeiro e já sabe que a Era de Aquário não está pra peixe. Simpatia e confiança, falsidade e escárnio, nas doses de sempre compõem a Cuba Libre que libera as mentes nos bailes da terceira idade.
Aos 20 não me passava pela cabeça que um dia faria apologia dos meus ídolos com verbos flexionados no presente. Há muitos na fila dos setentões. Quem são os ídolos dos meus filhos? Tirante uns grupos estrangeiros que não conheço, o rol varia apenas quanto à ordem de apresentação, mas os nomes são os mesmos. Como pode ser? Será que estacionamos tanto assim? Nesse momento os olhos batem na página que comenta sobre o novo álbum da Thaís Gulin que do Cabral foi ao Leblon. Músicas de quem ela canta? Com quem ela namora? Diz o ti-ti-ti, pré-setenta. Será que a vida começa depois dos 60? Se assim for, Cuba está na flor da idade e Raúl Castro não precisa se preocupar com a formação da elite sucessora.
A cena na cobertura do Edifício Copam vem à memória. Sim, em ritmo de aventura, Roberto fez videoclipes ousados, lançadores de tendências. É verdade que boas ideias pipocam em vários lugares, mas alguém tem a originalidade. Lá, com São Paulo no horizonte, estão o cenário mobiliado, a música, a mulher lânguida, os músicos. Os Beatles, tempos depois, acrescentaram o gris londrino, mas em essência, todo mundo deixou o cabelo crescer e cantou a plenos pulmões, a Cássia Eller, que havia um sentimento que não se podia esconder quando se chorou tanto que a vida quase teve fim.
Ídolos estão na nossa memória e nós, fãs, não estamos na deles. Habitam nossos pensamentos, emoções, opinam em nossas dúvidas. Sua companhia musical, seus gols, quadros, poemas, são antídotos para a solidão. O que faz um ídolo para não sentir solidão? Ouve as suas músicas?
Pensando bem, talvez Belchior esteja certo: o novo sempre vem. Meu sobrinho leu o rascunho da crônica na tela do computador, não entendeu as referências a pessoas, músicas, eventos, filmes. Aquele mundo que completa 70 anos com o Rei Roberto não é o mesmo que habita os adolescentes. Calhambeque, estrada de Santos, jovens tardes de domingo, são detalhes muito grandes pra esquecer as emoções que senti.