As malas de viagem eram retangulares e finas para possibilitar que uma pessoa as carregasse pela alça movimentando-as ao lado do corpo enquanto caminhava. Antigamente eram de madeira e couro, pesadas. As pessoas tinham pouca roupa e o peso final, suportável para indivíduo troncudo. Fabricadas com plástico, as modernas se tornaram leves, mas viajantes exigentes passaram a transportar muita roupa, cosméticos, itens de higiene, saúde, livros. O peso aumentou. Essa circunstância abriu nicho para trabalho dos carregadores em estações de trem, rodoviárias, aeroportos. Homens parrudos, com fardas engomadas, enfileiravam-se com carrinhos à espera de alguém que não suportasse o peso da bagagem e tomasse o serviço do carregador. Havia tantos trabalhadores que a organização sindical não demorou a surgir para regular, ao estilo da Carta Del Lavoro, o acesso aos postos de trabalho, o preço.
A situação parecia estabilizada até que uma ideia mudou esse mundinho: um norte-americano, fabricante de malas, não suportou carregar peso nas férias e adicionou rodas às malonas retangulares, as "totós" que pareciam cachorrinhos seguindo o dono. Quinze anos depois, em 1987, um aeronauta acrescentou a alça telescópica. Viajantes musculosos e fracotes puderam transportar confortavelmente pesos e volumes e nenhum marido se viu na humilhação de assumir que não aguentava carregar a mala de sapatos da patroa. Os carregadores profissionais ficaram sem trabalho e apenas alguns persistentes, com fardas puídas, envelheceram nas rodoviárias e aeroportos.
Friedrich Engels, ao fazer cartilha sobre as ideias de Marx, denominada Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, disse que a maquinaria se converteu na mais poderosa arma do capital contra a classe operária; as máquinas são meio de trabalho que arrancam os meios de vida das mãos do operário. Ora, o raciocínio marxista leva à conclusão de que a mala com rodinhas é um aríete do capitalismo espoliativo. Na linha dos dogmas marxistas, usar mala com rodinhas é atitude burguesa ofensiva à classe operária. A União Soviética implodiu porque a nomenklatura salvou os empregos dos camaradas carregadores de mala em estação de trem e proibiu as com rodinhas?
Tratores, semeadeiras, colheitadeiras, as máquinas no campo propiciaram expansão geométrica da produtividade para que bilhões sejam alimentados. Computadores nos bancos, governos, escolas, fazem trabalho de milhões de pessoas que, na ausência deles, atuariam em labores repetitivos, enfadonhos, alienantes. A internet está subtraindo empregos de pessoas que entregavam cartas. Autômatos fazem soldas, pintura, cortes, parafusagem, em estaleiros, fábricas de carros e aviões. Infinidade de máquinas em operação e, ao mesmo tempo, sobram empregos no Brasil. Os fatos enfraquecem a tese enunciada por Engels. Tomada como ciência, ela é passado porque não condiz com a realidade. Para quem a aceita como dogma quase religioso, o mundo está errado.
As teses de Marx e Engels eram consentâneas com o tempo em que viveram. Imobilizadas como dogmas messiânicos, se tornam risíveis diante da cena do deputado socialista puxando a mala com rodinhas no Aeroporto de Brasília.