VIP era quem vinha do interior do Paraná. Curitiba quedou repleta de VIPs que se sentiam estrangeiros diante dos nativos falando com erres múltiplos e es finais salientes. Leite quente com banana caturrrrra faz bem para a gente. Os pés-vermelhos preferiam banana nanica plantada na data vazia. Nos anos 70 havia tom de desagrado nas expressões curitibanas para designar a revoada dos jacus que abandonavam o interior para pousar nos arrabaldes da capital. Apenas nos guetos de fala arredia à ortoépia e prosódia curitibana clássica, as pessoas se sentiam à vontade para dizer: "o Adevogado veio do interiorrrr do Paraná". Intramuros, referiam-se aos nativos frios e de poucos amigos como curitibocas.
Hoje a cidade tem sotaques regionais conforme o bairro seja antigo ou novo e um mix que a identifica para os de fora. O falar cantado do passado ainda aparece numa ou noutra pessoa mais conservadora, quiçá, conservada. A sensação de arrivismo desapareceu e todos labutam para viver na urbe que acolheu atingidos pela geada de 75, pelo êxodo cultural em busca de estudo e, nos anos 90, gente à cata de trabalho nas indústrias da região metropolitana. Ironia do tempo, os descendentes dos migrantes são curitibanos da gema.
Curitiba ficou grande, muito grande. Espraia-se do pé da serra ao paredão do Sprea. O eldorado que atraía retirantes se tornou plúmbeo e a vida real de megalópole pesa na rotina de todos os viventes, qualquer seja o sotaque. Enchentes, trânsito que consome horas do dia, custos altos. Depois de pescar nas barrancas do Belém imaginando-se sobre a Ponte Neuf do Sena, o toque parisiense dava garbo aos antigos que comentavam estupefatos a guerra do pente na Praça Tiradentes enquanto a vendedora de loteria bradava cobras e lagartos na esquina da XV com a Monsenhor. Pequena, Curitiba era magnética; grande, é elétrica, movimentada, cosmopolita, includente e excludente a um só tempo.
A força gravitacional de Curitiba esmaeceu e o interior do Paraná, produtor de imensa riqueza, se tornou atraente para seus próprios filhos e gente de fora. As condições de saúde, educação, segurança, renda, mobilidade, são equivalentes ou superiores às da capital. As coisas mudaram e hoje VIP é quem vive no interior do Paraná. Cidades maravilhosas, vibrantes, se destacam no horizonte plano dos trigais. A boa qualidade não se concentra em Londrina, Maringá, Ponta Grossa. Cidades de porte médio, como Cascavel, Toledo, Francisco Beltrão, Pato Branco, União da Vitória, Paranavaí, Jacarezinho, Guarapuava, Campo Mourão, Umuarama, Foz do Iguaçu, Apucarana, têm escolas em abundância, empregos relevantes, produção cultural, serviços públicos da União e do estado, indústrias com fama internacional. Há muito deixaram de ser vilas na fronteira de expansão agrícola, nas quais havia muita vontade de vencer e poucos meios para viver.
Tudo aconteceu muito rápido. Numa única geração se viveu a derrubada da floresta nos confins entre o Rio Piquiri e o Ivaí e agora há aeroporto, universidades. Hoje, com orgulho se pode dizer: "Sou VIP, vivo no interiorrr do Paraná!".
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