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Tradição do novo

 | Ilustração: Felipe Lima
(Foto: Ilustração: Felipe Lima)

Os oximoros soem instigar. Portam contradição não ruptiva que faz o cérebro funcionar fora dos canais ordinários de intelecção, ativando centelhas por todos os lóbulos. As redundâncias, ao contrário, emburrecem porque reforçam a rotina preguiçosa com mais do mesmo. Por isso, essas pululam e aquelas são raras como turmalinas paraibanas.

O título deste texto – com enlace entre passado e futuro – é o nome de um livro de Harold Rosenberg, escrito em 1959 sobre pintura abstrata. Da obra do crítico de arte nada posso dizer porque ao lê-la nos hostilizamos mutuamente. Há o ditado de que “não basta gostar do mar, imprescindível que o mar goste de ti”. Pois bem, esse foi um dos poucos casos de repulsa à primeira vista que tive notícia. Remanesceu a renda de bilro entrelaçando as linhas do tempo, pela qual me encantei. Em outras palavras, não entendi o livro, porém achei bárbaro o nome.

O arcaísmo como projeto é outro oximoro fantástico que intitula a obra de João Fragoso e Manolo Florentino na qual discorrem sobre o capitalismo escravista-mercantil do Brasil Império, distanciando-se das explicações redutoras às influências coloniais europeias. Nele, também há diálogo entre o passado e o futuro num arranjo que lembra a máxima lampedusiana de que tudo deve mudar para permanecer como está. Ah, li e entendi esse livro. Foi amor à segunda vista.

Cazuza viu o futuro repetir o passado num “museu de grandes novidades”, tecendo as divergentes linhas do tempo de modo a expressar enfado, descrença na possibilidade de que o novo seja efetivamente melhor que o antigo. Sorvete na testa se não entendesse a simplicidade poética de quem procura agulha no palheiro.

Oximoros oferecem paleta de nuances semânticos. Tendo em consideração que o texto, a pintura, a música, a estátua não são apenas o que o autor quis dizer, mas aquilo que o leitor quis entender, tomei as palavras encantadoras para construir a minha textura narrativa e analítica.

Superando a digressão, boemia literária da qual se volta levemente ébrio, é hora do labor proposto pela ideia que deu início à prosa: a sensação de que o novo é imperioso, inevitável. Numa obra de 1956, Ludwig von Mises dizia que os produtos físicos satisfazem necessidades que tendem a se manter estáveis, mas com a arte é diferente porque a sua essência é a variedade, o inesperado, o surpreendente. Assim, o fastio da arte força os produtores à novidade.

Nos sessenta anos de distância entre hoje e o livro de Mises A Mentalidade Anticapitalista, a arte e a fábrica se aproximaram e muitos bens físicos, cuja necessidade era desconhecida até que eles fossem ofertados, passaram a ser imprescindíveis. Porém, similarmente à arte, se tornam fastidiosos, impondo a renovação. Tanto que os lançamentos à Steve Jobs são espetáculos quase artísticos, performances.

O novo como obrigação deixa de ser satisfativo e passa à condição de exaustivo. O frêmito de novidades dá tédio, aborrecimento e fortalece a vontade de conviver com a estabilidade, com as coisas como sempre foram.

Quero minha caneca de metal esmaltado para beber café do coador.

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