Há um grande crucifixo na parede da sala. Essa bela peça feita de madeira e bronze tem uma história interessante. Em dezembro, fazíamos a limpeza anual dos arquivos quando encontramos a cruz em meio aos papéis, blocos de notas, certidões, caixas e materiais de escritório. Não sabemos quanto tempo o crucifixo ficou ali, esquecido no arquivo da empresa; decerto foram alguns anos de abandono. Mas o fato é que agora ele voltou à parede da sala principal, de onde nunca deveria ter saído. Chamamos até um padre para abençoá-lo.
Dias atrás, começou uma campanha contra a pichação de paredes na cidade. Então fiquei pensando que o crucifixo e a pichação ocupam lugares opostos. A cruz indica o triunfo do espírito e dos valores eternos, atemporais. A pichação é o símbolo do vazio espiritual de nosso tempo. Quando vejo uma parede pichada, consolam-me as palavras de Joseph Brodsky: "A beleza salvará o mundo? Provavelmente é tarde demais para o mundo, mas para o homem individual ainda existe uma chance".
A modernidade trouxe muitos benefícios, mas carregou em si um grande perigo, que é a separação entre a verdade, a beleza e a justiça. Nos tempos pós-modernos que também podemos denominar a Era da Pichação , esses três fundamentos da existência voltam a se encontrar pelo avesso: a mentira, a feiúra e o mal se unem para conquistar o mundo. O maior problema nisso é que as primaveras de ativismo costumam acabar em invernos de atrocidade.
Não por acaso, entre as hordas que adoram vandalizar os "ícones do capital" sempre há batalhões de pichadores. Nas mãos dos revolucionários pós-modernos, parece existir um parentesco de sangue entre o spray e o coquetel molotov. O spray de tinta e a garrafa de combustível se tornaram irmãos gêmeos; ambos explodem espalhando bazófia e destruição. O percurso segue sendo o mesmo há 200 anos: primeiro, atacam as propriedades; depois, os proprietários; no último estágio, todos que estiverem pelo caminho.
Note-se que os pichadores utilizam um instrumento que, em si, não é bom nem mau. Uma lata de spray pode ser utilizada para criar beleza e harmonia. Nas mãos de um pichador, porém, vira uma arma de sujeira e degradação. Só existe algo mais vazio que a lata de spray de um pichador: a cabeça de quem a usou.
Os pichadores pós-modernos são assim. Vandalizam tudo que encontram pela frente: a cultura, a linguagem, a democracia, a liberdade. Não suportam ver um muro em branco, porque este reflete o nada que trazem em si mesmos. Mas até para eles existe uma chance: basta contemplar o crucifixo na parede.
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