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Você ficou escandalizada, minha amiga, ao ler o relato da matança de inocentes no Evangelho de Mateus. De fato, é uma passagem assustadora. Muitos estudiosos discutem a historicidade do episódio, mas ninguém duvida de que o rei Herodes tenha sido capaz de matar algumas dezenas de crianças em um vilarejo pobre. Sabe-se que ele cometeu atrocidades ainda piores.

O massacre dos inocentes tem aquela estranha beleza das coisas terríveis que encontramos em vários outros momentos das Escrituras. Por tal motivo, o assassinato das crianças inspirou grandes artistas. Visitando a Catedral da Sagrada Família, em Barcelona, um amigo ficou estarrecido diante das estátuas que reproduzem o episódio. Na Catedral de Chartres também há uma série escultórica sobre o massacre, na qual alguns personagens literalmente perderam a cabeça. Lembro, ainda, os quadros de Rubens e Cogniet – nesse último, assombra-me particularmente o olhar da mãe que tenta proteger o filho.

O problema, querida amiga, é que Herodes está vivo – e a matança de inocentes continua ocorrendo diante dos nossos olhos. Se estátuas de pedra e ferro causam tamanha comoção, o que diremos das vidas reais que se perdem todos os dias? Com o aborto, Herodes estende os seus domínios sobre a humanidade.

Não nos deixemos enganar, minha amiga: a estratégia do Herodes moderno é sinuosa como a serpente. No Brasil, os militantes herodianos sabem que perderiam feio um plebiscito sobre o aborto (se havia alguma dúvida, a Jornada Mundial da Juventude eliminou-a). Optaram, então, pela estratégia de aprovar leis e normas teoricamente voltadas a outra finalidade, mas com o objetivo central de legalizar a interrupção forçada da gravidez. Estamos no reinado moderno de Herodes, cujo palácio se chama Estado. Paulo afirma, em uma de suas cartas, que a criação geme como em dores de parto. Talvez agora o Apóstolo dissesse que ela geme em dores de morte.

Durante a visita ao Brasil, o papa Francisco falou muitas coisas importantes. Mas o conteúdo mais significativo estava nos gestos silenciosos. Ao abraçar tantas crianças e velhos, o pontífice deixou uma mensagem bastante clara sobre as principais vítimas do Herodes contemporâneo. Ao abençoar duas crianças com anencefalia durante o ofertório da missa, Francisco estava repetindo em silêncio a mensagem que se lia nas camisetas dos fiéis: Pare o aborto.

De um lado, um lampejo do Céu: 3,5 milhões de pessoas meditam em silêncio. De outro lado, uma cena do palácio de Herodes: manifestantes da Marcha das Vadias vilipendiam imagens católicas. Sabemos quem vencerá essa guerra, minha amiga. E não será Herodes.

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