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Alguns dizem que o mundo começou a acabar há 100 anos, em 1914, quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial. Situo a efeméride apocalíptica um pouco antes: em 1789, com a Revolução Francesa. Quando ouvi falar nos presos decapitados do Maranhão, lembrei-me imediatamente do Terror jacobino, que acabou por levar à guilhotina até mesmo líderes revolucionários como Robespierre, Danton e Saint-Just. Cortadores de cabeças quase sempre agem a serviço de uma causa, partido ou facção.

Pensei nos presos sem cabeça, pensei nos jacobinos sem piedade, mas pensei mais ainda na menina Ana Clara, de seis anos, que morreu queimada no ataque a um ônibus em São Luís. Fiquei imaginando o terror que a pequena maranhense sentiu ao perceber que estava cercada pelas chamas. Essa imagem não me sai da cabeça.

Para cumprir a vontade de bandidos, Ana Clara foi queimada viva, como aqueles dois dentistas em 2013. Não por acaso, o fogo está presente em muitas atrocidades nacionais. A montanha de 50 mil assassinatos – um morto a cada dez minutos – é a imensa fogueira que o Brasil vem atiçando há muito tempo. Uma fogueira de morte, poder, vício, egoísmo, arrogância, estupidez, servidão, impunidade. A fogueira onde a lei e a moral viram cinzas. Meu temor é que o ônibus queimado de Ana Clara se transforme em símbolo de nosso tempo – e que o Brasil vire um imenso Maranhão.

O fogo está sempre nas manifestações de rua contemporâneas, nas quais o coquetel Molotov virou equipamento básico. Enquanto o fogo não aparece, os ativistas do caos usam sprays de pichação. Há uma perigosa proximidade, uma fronteira ínfima, entre um ônibus pichado e um ônibus queimado.

Graças a Deus, poucos pichadores se tornarão assassinos. Mas todos já são vândalos. E, em geral, os homicidas começam praticando o vandalismo. Antes de matar judeus, os nazistas quebraram-lhes as lojas. Antes de matar kulaks, os comunistas confiscaram-lhes as terras. Aqueles que não reconhecem o direito humano à propriedade acabam, cedo ou tarde, por não reconhecer o direito humano à vida. No país da montanha de 50 mil mortos, um a cada dez minutos, essa metamorfose do mal menor em mal absoluto pode ocorrer a qualquer instante.

Em Londrina estão organizando protestos contra o aumento nas tarifas de ônibus. Eu só espero que os manifestantes não resolvam destruir coisas, porque este é sempre o primeiro passo para destruir pessoas. Antes de fazer fogo, lembrem-se da menina do Maranhão.

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