Há 20 anos trabalhei em um sindicato onde era de bom tom tratar a todos por "companheiro". Bom dia, companheiro. Não, companheiro. Talvez, companheiro. O banheiro é a segunda à esquerda, companheiro. O que é isso, companheiro? Não enche, companheiro!
Hoje os companheiros estão no poder. Além do poder político, exercem um domínio assustador sobre o clima cultural do país. O companheirismo, no pior sentido da palavra, está em toda parte. Se continuarmos nessa toada, o Brasil vai virar um imenso sindicato.
Outro dia um amigo foi a uma festa e notou que os casais adotavam a mesma terminologia dos meus tempos sindicais. Não havia maridos, esposas, namoradas, namorados: só companheiros e companheiras. A certa altura, meu amigo perguntou a uma estudante de Sociologia: "Você se importa se eu chamar a minha namorada de namorada, e não de companheira?" Ouviu um "faça como quiser. Mas, nesse caso, vou considerá-lo um pequeno-burguês".
Pequeno-burguês! Há tempos eu não ouvia essa expressão. Achava que pequeno-burguês tivera o mesmo destino de palavras como "alienado", "cocotinha", "iê-iê-iê", "imperialismo" e "agente da CIA".
Mas eu estava enganado. Quando chegou ao Brasil a blogueira cubana Yoani Sánchez, lá estavam os militantes esquerdistas a gritar que a moça é uma "agente financiada pela CIA". Sinceramente achei que a passagem do tempo tivesse dotado essa turma de alguma consciência do ridículo. Nada disso...
Companheiro é um sinônimo do velho "camarada", termo pelo qual os revolucionários costumam se tratar desde os tempos da Comuna de Paris. Na Rússia, ganhou uma tradução: "tovarich". Nos tempos de Lenin e Stalin, quando alguém deixava de ser chamado de "tovarich" pelos membros do Partido, era um péssimo sinal: o próximo destino era a Lubianka, o Gulag ou uma bala na nuca. Milhões morreram assim.
Desde 1959, os companheiros mandam em Cuba. Lembro-me de uma cena do filme A Cidade Perdida, com roteiro do escritor cubano Guillermo Cabrera Infante. Um empresário recorre a Ernesto Che Guevara para tentar salvar o irmão do fuzilamento. Diz ao revolucionário: "Por favor, Che...", e ele responde: "Cale a boca! Eu sou Che para meus companheiros. Para você, eu sou Comandante Guevara".
Yoani Sánchez ainda estava no Brasil quando os companheiros entre eles alguns mensaleiros condenados festejaram os dez anos do PT no poder. O slogan da festa era bonito: "Do povo, pelo povo, para o povo". A frase é do presidente Abraham Lincoln um republicano. Em geral, os companheiros funcionam assim: o que é bom não é deles, o que é deles não é bom.
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