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Paulo Briguet

Deus não é uma solidão

Quando criança, sonhava sempre que havia sido abandonado. Via-me de repente em lugar estranho, entre pessoas que falavam outra língua. Para onde teriam ido meus pais? Qual o caminho de volta para casa? Embora não parecessem interessados em problemas alheios, os habitantes do país desconhecido me olhavam com ar de reprovação – e eu percebia estar nu. Nesse momento, acordava.

Hoje sei que o abandono é um dos principais medos da infância. Mas esse sentimento não existe por acaso: houve um tempo em que ser abandonado após o nascimento era uma perspectiva bastante concreta para qualquer ser humano, principalmente as meninas e os debilitados. Até hoje vemos recém-nascidos deixados em latas de lixo e caixas de sapato. Para não falar naqueles que são mortos no ventre das mães.

Meu bisavô Antonio Costa, português de nascimento, foi deixado pela família no Brasil com 7 anos de idade. O drama vivido pelo Pai Costa – assim ele seria chamado pelos filhos e netos – gerou em mim a síndrome do abandono: uma estranha habilidade para enxergar que as pessoas, lugares, coisas e acontecimentos tendem a nos deixar.

Aos poucos, tudo nos abandona. As casas em que moramos. As roupas que vestimos. Os sapatos. Os brinquedos da infância. As paixões da juventude. As festas que frequentamos. Os bares em que bebemos. Os enredos de livros, os títulos de filmes, as letras das músicas, a última rima daquele soneto de Camões – todas as coisas nos abandonam de maneira lenta, porém contínua. E as flores. Também as flores nos abandonam.

Um dia, descobrimos que o pesadelo da orfandade permeia a própria vida – e que a única maneira de fugir à herança do abandono consiste em formar uma família. Pai Costa casou-se e teve 11 filhos. Maquinista de trem, aprendeu a ler e escrever sozinho. Até hoje é lembrado com carinho por todos nós – mesmo os que não o conheceram.

Depois de muito tempo caminhando entre incertezas, cheguei a esta face da verdade: Deus não é uma solidão. Sua existência tem a forma de um convívio. Não por acaso, Ele escolheu vir ao mundo numa família. É por isso que nós também formamos famílias. O amor entre pais e filhos é uma tentativa de refletir, nem que seja por alguns instantes, o convívio amoroso que deu origem ao universo. Assim, dou graças. Todos os dias. Todas as noites.

Vivemos no triste tempo em que alguns parecem odiar a família. São discípulos inconscientes de Rousseau, aquele pensador que se achava muito humano e abandonou todos os filhos à própria sorte. Mesmo assim, Deus não nos dá as costas. No leito de morte, meu bisavô teve a visão de que os pais, desaparecidos por 70 anos, vinham buscá-lo. Naquele momento, Antonio Costa acordou. Deus não é uma solidão.

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