Pai, pediram-me para escrever um artigo sobre a ditadura militar e eu logo pensei em você. Tecnicamente, sou um filho da ditadura. Nasci em São Paulo, em 10 de julho de 1970, durante o governo Médici, perto do lugar em que Carlos Marighella fora morto meses antes. Mas nunca esquecerei um fato pelo qual eu não pude agradecer em vida: entre combater a ditadura – como fizeram seus dois melhores amigos, Arno Preis e João Leonardo – e formar uma família, você ficou com a segunda opção, e por isso eu existo. Arno e João morreram na luta armada; você me deu a vida.

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Lembro-me de uma cena: você e a mãe lendo uma carta na mesa da cozinha, no apartamento da Alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Falavam baixo, como se não quisessem ser ouvidos. A carta era de João Leonardo, que estava no exílio. Vocês tinham medo. João Leonardo, o Baiano, encontraria a morte em junho de 1975.

Estou escrevendo um livro. Chama-se República Socialista do Brasil. Na história, imagino como seria o nosso país se a esquerda tivesse vencido em 1964. Ironicamente, não seria um país muito diferente do que temos hoje. O Brasil contemporâneo teve seu crime fundador na morte de Celso Daniel. No meu livro, Celso Daniel também é assassinado, em circunstâncias que fazem lembrar os Processos de Moscou. Você nunca mais votou no PT depois da morte do Celso Daniel – e eu entendo por quê.

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Se a esquerda triunfasse em 1964, você sem dúvida ficaria feliz no primeiro momento. Mas não tenho dúvidas de que, com o tempo, sofreria ainda mais do que sofreu no governo militar, porque você sempre foi amigo da verdade e livre de qualquer sentimento de inveja, ao passo que o socialismo é o império da mentira e da inveja obrigatórias.

Quando, na adolescência, eu comecei a ler Trotsky, você torceu o nariz: "Isso é ultrapassado". Era um aviso. Vejo, escandalizado, que o Brasil de hoje é um reflexo daquele panfleto terrível intitulado A Moral Deles e a Nossa, mais algumas loucuras de Gramsci, Che Guevara, Nietzsche e Foucault.

Dias atrás encontrei um casal de queridos amigos estrangeiros. Eles deixaram o Leste Europeu em 1987, antes da queda do comunismo. Minha amiga disse: "Perto do comunismo, a ditadura militar brasileira foi fichinha". É isso que as pessoas querem dizer quando falam em ditadura "branda". Ditadura é sempre ruim, seja de direita ou esquerda. Mas isso não impede que um regime seja comparado com outro. E meu amigo alerta: "O PT está construindo no Brasil o mesmo regime de que nós escapamos no Leste Europeu".

Querido pai, ensine-me a lutar – não contra a ditadura militar, mas contra a ditadura militante.

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