No que se refere à memória, sonhei com a Tia Celina. Não me recordo se já falei sobre ela a vocês sete. Celina era irmã mais nova da Vó Maria. Casada com Tio Alcides, não teve filhos. Morreu há 20 anos, no dia 17 de julho de 1994, quando Brasil e Itália jogavam a final da Copa do Mundo. Partiu dormindo, "como um passarinho", para usar um antigo clichê. Não se importava com futebol. Enquanto as pessoas comemoravam o tetra nas ruas, meu pai tomava as providências para o enterro. Ao acordar do sonho, eu rezei por Tia Celina, que amava os sobrinhos como os filhos que não teve. Quantas pessoas não precisam de nossas preces agora, e não nos lembramos delas?

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No que se refere ao horário de verão, lembrei-me de Tia Ruth, irmã mais velha de meu pai. Ela morava em Mirandópolis e se recusava a adiantar os relógios. Quando a visitávamos nas férias, o velho relógio da copa marcava, nas palavras de minha tia, "o horário de Deus". Tento viver nesse tempo até hoje, mesmo adaptando meus compromissos ao horário do governo.

No que se refere à humildade, uma das mais belas crônicas de Rubem Braga fala sobre o padeiro que tocava a campainha e deixava o pão na soleira das portas. Se alguém abria a porta, ele avisava: "Não é ninguém, é o padeiro". Rezo por esse homem humilde e trabalhador, e penso nos 30 anos em que Jesus viveu oculto com sua família.

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No que se refere a Cuba, assusto-me ao ler as lancinantes memórias do poeta cubano Reinaldo Arenas, perseguido pelo regime de Fidel Castro. Quem defende o regime cubano pode até não saber, mas comete o maior dos insultos possíveis aos homossexuais. Arenas escreve com o coração nas mãos. Lendo Antes que anoiteça, penso nos homens que escreveram mesmo sabendo que poderiam ser mortos a qualquer momento: José Kentenich, Fritz Kühr, Primo Levi, Viktor Frankl, Ungaretti.

No que se refere à infância, penso em falar sobre um menino tão solitário que brincava de esconde-esconde sozinho – e nunca se achava. Também brincava de pega-pega sozinho – e nunca se alcançava. Também jogava futebol sozinho – e nunca fazia um gol de verdade.

No que se refere à gratidão, penso que é preciso dizer obrigado. Dói? Dou graças. Angústia? Dou graças. Faz sofrer? Dou graças. Deus passou por tudo isso antes, no Getsêmani e no Gólgota. Ele quer que eu compartilhe os mesmos sentimentos. Cristão é aquele que agradece pela cruz que lhe é colocada nos ombros.

No que refere à política, nada tenho a declarar – a não ser o óbvio. Afinal de contas, não é ninguém, é o cronista.

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