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Paula Toller fez 50 anos. Afrodite cinzelada pelo tempo, escultor que ia enfeando suas obras e hoje, com as coisas da vida moderna, põe aos olhos masculinos belezas intensas, de tirar o fôlego. A falta de ar embaça o cérebro, as palavras somem e resta o deslumbramento enquanto peço à Alice que escreva a carta de amor porque tanta coisa me interessa, mas nada tanto assim que me faça voltar à realidade, porque os solos de guitarra vão me capturar.

A magia da presença no palco acabou. Escadarias do teatro, rua, brisa da noite, frisson da memória sonora e visual. 20, 30, 40, 50. Qualquer idade vale a pena quando a beleza não se apequena. Não há elixir ou fonte da juventude. A questão não é rejuvenescer, é bem envelhecer. Ocasos lindos. Pensamentos sobre o viver vão se mesclando a imagens da diva e as canções que remetem aos anos 80, início da vida adulta, percutem os versos em canto desafinado. Abrem-se as portas da percepção e vão brotando melodias nas paralelas dos pneus n’água das ruas. Vejo a musa sussurrando que não há solidão embora em cada aeroporto haja um nome num papel, sem promessas, só um novo lugar. Em devaneio, vou vivendo a poesia das músicas que ganham vida na voz tímida da bela indagando se é preciso ficar só para viver. I want to be alone. Será que a Vênus aprecia a solidão?

Beber xerez da tua boca, derretendo satélites, fly me to the moon. Contando as horas, fico ouvindo passos e as lágrimas de chuva que molham o vidro da janela. Sim, existe alguém que justifica esse instante. Quando o sol bate no quarto a inevitabilidade do distanciamento temporal me faz ficar mudo e os rascunhos vão se transformando em arte final. As letras brotam na tela em torrente que transborda a ponta dos dedos, preme as teclas e faz as sensações emergirem da intimidade, explodindo na claridade. Passos femininos chamam a atenção. Cadência deliciosa de uma mulher que caminha à procura do quê? O som dos sapatos no granito diz que ela caminha como gazela. Agora o motor ruge, a leva para longe. Não a vi. Tento imaginá-la em várias cores, tamanhos, fenótipos, mas a fixação afunila tudo e só a diva cinquentona voa pela mente; perfeição nos mínimos detalhes.

Devaneios – diva(...)neios – são a bala de menta da alma. Refrescam, dão sabor prazeroso que espanta o mau hálito da rotina. Contudo, a vida é imperativa e o dia chama para as obrigações. O frescor aliviante vai se dissipando no calor do trabalho, do trânsito, das filas.

Aos 30 o mundo era diferente ou eu não entendia o mundo? Será que a minha interpretação ficou diferente ou as coisas de fato mudaram? Velhice, juventude. Há fronteiras definidas ou as linhas de borda esmaeceram? Não sei onde pisar para posicionar o tempo consumido, bem sem reposição. Cada minuto escoa, exaure, esgota, esvazia o saldo. Quanto resta não se sabe. A memória do prazer não está no tempo. É atemporal. Deusas são tão mulheres. Fico pensando por que não eu?

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