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Editorial

A bancada da impunidade se impõe

 | Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
(Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

Brasília viveu um dia de depredação dupla na terça-feira. Durante a tarde e começo da noite, na Esplanada dos Ministérios, “movimentos sociais” e outras entidades que protestavam contra a PEC 55 deixaram um rastro de destruição. Poucas horas depois, dentro do Congresso Nacional, uma maioria de deputados resolveu vandalizar as Dez Medidas Contra a Corrupção, cuja votação se arrastou pela madrugada de quarta-feira.

O golpe maior que vinha sendo gestado pela bancada da impunidade – a troca do substitutivo elaborado pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS) por um outro, completamente diferente e muito mais leniente – acabou não se concretizando. Da mesma forma, não se tentou propor a anistia explícita ao crime de caixa dois, tema que inviabilizou a votação das Dez Medidas na semana passada. Também não foi adotada a votação simbólica, que impediria o eleitor de saber a posição de cada deputado.

Todas as emendas apresentadas foram aprovadas por margens superiores a 100 votos. E de nenhuma delas se podia dizer que melhorava o substitutivo

Nada disso, no entanto, freou o ímpeto corporativista dos deputados. A aprovação do substitutivo de Lorenzoni por 450 a 1 (o voto solitário foi do petista paraense Zé Geraldo) não deveria animar ninguém: essa era uma etapa necessária à destruição do texto. E assim foi: todas as emendas apresentadas foram aprovadas por margens superiores a 100 votos. E de nenhuma delas se podia dizer que melhorava o substitutivo. A briga pela impunidade não tinha ideologia: tanto legendas governistas e da oposição apresentaram e apoiaram emendas ou destaques, votando irmanadas para salvar a própria pele.

No fim, sobreviveram intactas apenas duas das Dez Medidas originais: a obrigação de Justiça e MP divulgarem informações sobre tempo de tramitação de processos e, ironicamente, a descrição mais explícita do crime de caixa dois. Todo o resto foi suprimido ou desfigurado. Havia a proposta de que a corrupção fosse crime hediondo se o prejuízo para o Estado superasse 100 salários mínimos; os deputados mudaram o limite para 10 mil salários mínimos, ou 100 vezes mais. A criminalização do enriquecimento ilícito, com a perda e reversão para a União dos bens de origem ilícita, desapareceu. A proposta de dificultar a prescrição de crimes, a permissão para o MPF celebrar acordos de leniência e as figuras do “acordo penal” e do “reportante do bem” (alguém que denuncia um esquema de corrupção sem ter feito parte dele e seria recompensado por isso) também foram retiradas.

Entre uma tesourada e outra, os deputados viram espaço para um acréscimo que lhes era muito caro, a ponto de ter sido o pivô de várias tramas: a instituição da punição (o sonho da bancada da impunidade era a expressão “crime de responsabilidade”, mas essa ideia não prosperou) a procuradores, promotores e juízes por abuso de autoridade. O problema, obviamente, não está em tentar coibir o verdadeiro abuso (tema, aliás, de projeto que já tramita no Senado), mas em defini-lo de forma deliberadamente vaga. Quem decide se uma opinião sobre despachos, votos ou sentenças é “juízo depreciativo”? O que exatamente significa “ser patentemente desidioso no cumprimento dos deveres do cargo”? Que elementos serão aceitos para alegar que o agente público se comporta com “motivação político-partidária”? Um texto pouco detalhado é a maneira perfeita de dar margem a retaliações de políticos corruptos contra magistrados e membros do MP, e seria muita ingenuidade acreditar que os deputados favoráveis à emenda agiram movidos por um genuíno e democrático desejo de impedir arbitrariedades.

Agora, o projeto está no Senado, do qual não se pode esperar muito. Seu presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), já disse, após a sessão da Câmara, que “é muito difícil conjugar o Estado Democrático de Direito com aquelas medidas”, referindo-se às propostas originais, e chegou até a tentar votar o projeto às pressas, ainda nesta quarta-feira. Resta o presidente Michel Temer, que terá de sancionar ou vetar o projeto. Se ele terá ou não a coragem de fazer a coisa certa, dependerá também do grau de mobilização da população.

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