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Editorial

A guerra de Donald Trump

 | Nicholas Kamm/AFP
(Foto: Nicholas Kamm/AFP)

“O choro é livre”, “deixe de mimimi” – essas frases povoam as mídias sociais diante da crítica a algo ou alguém que faz ou diz algo desagradável. Quando quem está de mimimi é um cidadão comum, o efeito é bastante limitado; no máximo, alguma discussão mais acalorada ou o fim de alguma “amizade” virtual. Mas e quando o mimimi vem do homem mais poderoso do planeta, e tem o objetivo de desacreditar explicitamente aquela parte da sociedade civil cujo trabalho é manter informados os cidadãos? Pois é justamente o que Donald Trump vem fazendo desde antes de sua posse como presidente dos Estados Unidos. “Vocês sabem, estou em guerra contra a imprensa. Eles [os jornalistas] estão entre os mais desonestos dos seres humanos”, disse o próprio Trump no sábado.

E, em uma guerra, a primeira vítima é a verdade, diz o adágio atribuído a muita gente. A equipe de Trump já se encarregou disso quando a assessora Kellyanne Conway chamou de “fatos alternativos” as informações erradas dadas pelo porta-voz Sean Spicer a respeito do público presente à posse de Trump. Ora, o próprio conceito de “fatos alternativos” é algo ridiculamente absurdo. Existem os fatos. Uma afirmação que os represente corretamente é o que chamamos de “verdade”. Uma afirmação que não corresponda aos fatos é o que chamamos de “mentira”. E nada mais.

A liberdade de imprensa é um pilar da democracia, e não há “fato alternativo” que desminta esse princípio

Campo diferente é o da opinião, que se baseia em análises, avaliações que transcendem a informação factual e verificável. E os jornais têm todo o direito de adotarem o posicionamento que julgarem mais conveniente. A ira de Trump se deve ao fato (inegável, é verdade) de boa parte dos veículos de imprensa dos Estados Unidos ter apoiado a candidatura de Hillary Clinton e ser crítica a Trump, suas políticas e seu comportamento. Isso em nada justifica a hostilidade contra o jornalismo demonstrada pelo novo presidente americano. A opinião – como o choro – é livre, e o fato de a maioria dos jornais, jornais, sites, emissoras de rádio e televisão ter certa preferência política abre inclusive nichos de mercado para veículos de comunicação de tendências diferentes. É assim que funcionam a democracia e a liberdade de imprensa. Sufocar e desacreditar quem discorda pelo simples fato de discordar é ferramenta de totalitários e dos que se julgam acima de tudo e de todos, algo que já se viu por aqui até pouco tempo atrás.

Trump pode ser vítima de notícias equivocadas? Sem dúvida – no próprio dia da posse, um repórter da revista Time escreveu no Twitter que um busto de Martin Luther King, o grande líder da luta pelos direitos civis dos negros nos EUA, tinha sido removido do Salão Oval, o que nunca ocorreu. A história (que carregaria um fator simbólico relevante) só não ganhou grandes proporções porque o jornalista percebeu seu erro e se retratou uma hora depois. Mas a maneira certa de lidar com situações como essas é lembrar que “a luz do sol é o melhor desinfetante”, como disse o juiz da Suprema Corte americana Louis Brandeis: basta simplesmente expor o fato (como, aliás, fez o próprio Spicer ao tuitar uma foto do busto em questão) e, naqueles casos em que a notícia errada afeta a honra, buscar as providências judiciais cabíveis, em vez de desacreditar o profissional, o veículo em que trabalha ou a imprensa como um todo. Quem tem de avaliar até que ponto um erro compromete a credibilidade de um profissional ou empresa é o público.

Mas corrigir informações erradas caso a caso dá trabalho. É mais simples promover a desqualificação geral e, se for o caso, oferecer “fatos alternativos” e o cidadão que se dê ao trabalho de descobrir quem está certo – o que nem todos farão, preferindo acreditar de antemão no político outsider, “vítima da imprensa”, pois os jornalistas são todos “desonestos”, segundo o próprio político outsider (em um caso claro de raciocínio circular).

Trump se esqueceu da clássica frase de um dos Pais Fundadores da democracia americana, Thomas Jefferson: se tivesse de escolher entre governo sem jornais e jornais sem governo, ele escolheria o último sem pensar duas vezes. A liberdade de imprensa é um pilar da democracia, e não há “fato alternativo” que desminta esse princípio.

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