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editorial

A história pela metade

Tendo perdido o primeiro round na batalha pela recriação da CPMF, o governo federal resolveu vasculhar seu arsenal tributário para ver o que mais pode trazer alguma arrecadação adicional. A preferência é por algo que dependa apenas de decreto presidencial, mas nenhuma possibilidade está fora do baralho, ainda que exija a aprovação do Congresso. Estão na mira a Cide (o “imposto dos combustíveis”, visto com cautela por seu potencial inflacionário), o IOF, um eventual novo imposto temporário (dito “de travessia”) e o Imposto de Renda Pessoa Física. Coube ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fazer a defesa da elevação neste último caso.

Para justificar um aumento no Imposto de Renda, ou a criação de novas faixas de alíquotas, Levy comparou o Brasil com países desenvolvidos. “Em relação aos países da OCDE, a gente tem menos impostos sobre a renda, sobre a pessoa física do que na maior parte dos países da OCDE. É uma coisa a se pensar”, afirmou o ministro dias atrás, em Paris. E realmente é verdade: o Brasil tributa renda e patrimônio de forma menos pesada que outras nações. Outro exemplo é o imposto sobre herança, que no Brasil não pode passar de 8%, mas chega a 40% nos Estados Unidos. Esse tipo de taxação remete ao conceito de “justiça tributária”, segundo o qual quem tem mais paga mais. Mas esta é apenas parte da história.

Do jeito como o governo trata o ajuste, o Planalto não tem moral alguma para exigir qualquer sacrifício a mais do “contribuinte”

O que Levy não disse é que, se por um lado a tributação brasileira avança menos sobre a renda e o patrimônio, por outro lado o Brasil taxa a produção, o consumo e a folha salarial muito mais fortemente que os países desenvolvidos. Tanto que a carga tributária total brasileira (35,95% em 2013) supera a média da OCDE (34,1% no mesmo ano); apenas 13 dos 34 países do grupo têm carga maior que a brasileira, e boa parte deles (como os países escandinavos e a Alemanha) oferece serviços públicos de qualidade bem melhor que a brasileira. Um debate honesto sobre a composição da arrecadação nacional – e se a renda do brasileiro subiu o suficiente para pensarmos em aumentar esse tipo de tributação, aliviando os encargos trabalhistas e aqueles sobre produção e consumo (que, aliás, são os que mais punem os pobres) – é muitíssimo bem-vindo. Só não se pode simplesmente defender a elevação da tributação sobre renda e patrimônio sem considerar o cenário como um todo.

“Pagar um pouquinho mais de imposto (...) é um investimento que vale a pena”, disse Levy em entrevista na quinta-feira, dia 10, no ministério da Fazenda, já sob o impacto da perda do grau de investimento pela agência Standard & Poor’s. Mas não é assim tão simples. O economista norte-americano Arthur Laffer, baseado em trabalhos anteriores – inclusive do árabe Ibn Khaldun, no século 14 –, popularizou o conceito de que o aumento da carga tributária gera aumento de arrecadação até um certo ponto; daí em diante, a arrecadação para de crescer e, depois, começa a cair, pois a taxação exagerada retiraria o estímulo à atividade econômica e incentivaria a sonegação ou a informalidade. Cada país tem a sua própria “curva de Laffer”, e não falta quem diga que o Brasil está muito perto (se é que já não atingiu ou ultrapassou) da carga tributária que maximiza a arrecadação.

Além disso, qualquer investimento só vale a pena (para usar as palavras do ministro) quando se percebe que o gestor está trabalhando para fazer o dinheiro render. E isso não está ocorrendo. A presidente Dilma, em entrevista ao jornal Valor Econômico, quando questionada sobre os gastos do governo e o que poderia ser cortado, só tinha uma resposta: “vamos olhar tudo direitinho”, “vamos olhar como é que fica” e outras variantes do mesmo tema, indicando que o governo não tem a menor noção do esforço que precisa fazer no corte de despesas (ou não tem a menor vontade de se mexer), pois já devia “ter olhado” isso com cuidado há muito tempo. Tanto em agosto, com o ministro Nelson Barbosa, quanto na quinta-feira, com o senador Delcídio Amaral, o governo soltou um “vamos cortar”, mas sem especificar o que, quanto e quando. Se houvesse um esforço real de enxugamento, a sociedade até poderia compreender e aceitar um esforço adicional temporário. Mas, do jeito como o governo trata o ajuste, o Planalto não tem moral alguma para exigir qualquer sacrifício a mais do “contribuinte”, aquele que é eufemisticamente chamado assim apesar de não ter opção alguma de escapar daquilo que é apropriadamente chamado de “imposto”.

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