O lulopetismo, que está prestes a completar 13 anos no Palácio do Planalto, implodiu o Brasil. O PT recebeu um país cuja economia mal completara o trabalho de estabilização e, em vez de consolidá-lo, resolveu que o tripé macroeconômico dividiria espaço com uma política econômica baseada em muito consumo e pouco investimento; por fim, o tripé foi abandonado com a adoção da “nova matriz econômica” e a manutenção dos estímulos ao consumo. Os resultados aparecem agora: recessão, inflação e desemprego. O surgimento da “nova classe média” tão celebrada pelo petismo começou a se reverter. A consultoria Tendências estima que, de 2015 a 2017, 3,1 milhões de famílias da “nova classe C” devem cair para as classes D e E – é quase a anulação da ascensão social verificada entre 2006 e 2012, quando 3,3 milhões de famílias das classes D e E subiram degraus.
No campo moral, o petismo consagrou a noção de que os fins justificam os meios. Mensaleiros condenados são aclamados como “guerreiros do povo brasileiro” porque, no fim, tudo o que fizeram foi trabalhar pelo partido. Antigos inimigos com invejável folha corrida viraram amigos do peito. No campo institucional, fez-se o que foi possível para aparelhar o que estivesse pela frente, em alguns casos com consequências trágicas para os trabalhadores, como na administração temerária dos fundos de pensão de estatais. Além disso, as lideranças petistas não perderam nenhuma oportunidade de atacar a liberdade de imprensa. No campo diplomático, o lulopetismo fez do Brasil aliado incondicional do que há de pior na América Latina e transformou o país em adversário do livre comércio.
A “preservação da estabilidade” traria consigo o risco moral de premiar governantes, ainda que cometessem crimes de responsabilidade
- O nó brasileiro (editorial de 8 de novembro de 2015)
- A crise política e as implicações constitucionais (artigo de Ives Gandra Martins, publicado em 31 de outubro de 2015)
- Do vício à virtude (artigo de Janaina Conceição Paschoal, publicado em 31 de outubro de 2015)
- Crime de responsabilidade e mandatos subsequentes (artigo de Adilson Dallari, publicado em 23 de agosto de 2015)
Incompetência generalizada, economia em frangalhos, popularidade em queda livre, alinhamentos ideológicos nocivos – nada disso, no entanto, é causa para a remoção de um presidente da República de seu cargo. A legislação brasileira exige atos muito concretos de um chefe do Executivo para o impeachment. E, em nossa opinião, esses elementos estão, sim, presentes nas ações de Dilma Rousseff.
Podemos começar com as “pedaladas fiscais”, apenas uma das irregularidades apontadas pelo TCU, que no início de outubro recomendou ao Congresso que rejeitasse as contas de 2014 de Dilma. Na última quarta-feira, o Ministério da Fazenda informou ao Congresso Nacional que pagaria, neste ano, R$ 57 bilhões para quitar as “pedaladas”, em uma admissão implícita do mau uso dos bancos estatais. Isso sem falar das maquiagens orçamentárias que ganharam o sugestivo nome de “criatividade contábil”. Nunca antes na história deste país houve uma falsificação global em larga escala da realidade econômica da nação.
Mas os elementos que nos permitem concluir que Dilma cometeu crime de responsabilidade não param por aí. A pilhagem da Petrobras é obra de um grupo que já atuava na estatal desde a época em que Dilma, ainda ministra de Lula, presidia o Conselho de Administração da empresa. Impossível acreditar que, já na presidência da República, ela ignorasse o que se passava nas diretorias da estatal. Ainda que não tenha se beneficiado nem participado da roubalheira, ela prevaricou ao não agir com firmeza para promover uma limpeza que era urgente.
Se, no editorial de ontem, colocamos a saída de Eduardo Cunha em primeiro lugar na lista de prioridades, não o fizemos por considerar seus erros mais graves que os de Dilma. A realidade é justamente a oposta: a presidente da República tem prejudicado muito mais o país que o presidente da Câmara. Mas Cunha já demonstrou que vê o impeachment apenas como um brinquedo para chantagear o Planalto. Falta-lhe a seriedade necessária para cuidar do assunto. Daí a necessidade de sua substituição por um parlamentar com respaldo e autoridade moral que, além de devolver dinamismo ao Legislativo, trate o impeachment não de forma oportunista, mas analisando fatos e argumentos.
Não se trata aqui de acreditar, ingenuamente, que o dia seguinte a um eventual impeachment de Dilma e à saída de Eduardo Cunha do comando da Câmara será o início de uma nova fase para o Brasil. Ambos são a personalização de uma série de problemas que persistirão mesmo que eles se tornem cartas fora do baralho. Mas o combate a esses problemas será facilitado se os principais cargos do Executivo e do Legislativo não forem ocupados por infratores. Também não compartilhamos da crença de que é melhor manter o statu quo em nome de uma suposta estabilidade, ou mesmo pela falta de quem encarne o discurso de que falávamos no editorial de ontem. A própria situação atual já mostra que, se há algo estável no país hoje, é nossa paralisia – ou, dependendo do ponto de vista, nossa velocidade rumo ao abismo. Só haveria uma situação em que se poderia considerar deixar de fazer o que deve ser feito: no caso em que a alternativa fosse claramente pior. Mas não é este o caso e, assim, essa “preservação da estabilidade” traria consigo o risco moral de premiar governantes, ainda que cometessem crimes de responsabilidade. E esta é a pior mensagem que se poderia passar ao país neste momento.