Prestes a encontrar a porta de saída do Palácio do Planalto, a presidente Dilma Rousseff resolveu acelerar o que vinha postergando e, em alguns casos, resolveu simplesmente abandonar qualquer resquício de responsabilidade nos gastos públicos. O objetivo é duplo: não deixar que o vice-presidente Michel Temer, caso assuma a Presidência, acabe levando algum crédito por algo que já vinha sendo desenhado; e armar uma bomba fiscal que acabará explodindo no colo do peemedebista, caso o afastamento provisório de Dilma se transforme em cassação definitiva nas mãos do Senado.
É isso que explica, por exemplo, o “pacote de bondades” anunciado por Dilma neste domingo, 1.º de maio. A estratégia é clara: Dilma quer ficar eternizada como a promotora dos programas sociais nos quais Temer quer passar um pente-fino. Os mesmos programas sociais, aliás, que foram usados como justificativa para as “pedaladas fiscais”, mas que corresponderam a uma parte menor das irregularidades, já que a maior parte do dinheiro teve outras destinações.
A presidente já estaria tão convicta de sua saída que perdeu de vez o pudor e passou a cometer ilegalidades descaradamente?
Antes mesmo do anúncio de domingo o governo já estava acelerando o que parecia travado, em uma tentativa de oferecer um último agrado aos tais “movimentos sociais” que constituem o que sobrou do apoio a Dilma, que prometeram colocar fogo no país em caso de impeachment e que, em um eventual governo Temer, poderão não contar com a boquinha de que usaram e abusaram com o PT no Planalto. Isso explica, por exemplo, que o ministro da Justiça, Eugênio Aragão – aquele que criticou as delações premiadas da Lava Jato e ameaçou trocar toda a equipe da PF na operação se sentisse “cheiro de vazamento” –, tenha publicado várias portarias de reconhecimento de terras indígenas nos últimos dias. Além disso, o governo resolveu correr com outras dezenas de processos de áreas indígenas e quilombolas.
Nada disso constitui exatamente uma ilegalidade – no máximo, algumas das medidas podem ser criticadas por prejudicar o necessário ajuste fiscal. Mas Dilma não quis parar por aí, e em uma edição extraordinária do Diário Oficial, com data de 28 de abril, publicou medida provisória abrindo um crédito extraordinário de R$ 100 milhões para “comunicação institucional” e “publicidade de utilidade pública”, dinheiro retirado da Eletrobras. Outro crédito extraordinário de R$ 80 milhões foi remanejado dentro do Ministério do Esporte, para servir a gastos com os Jogos Olímpicos.
Neste caso, não basta a crítica comum a tantas medidas provisórias, que desrespeitam a Constituição por não terem relevância, nem urgência. A MP 722 é ainda mais irregular, pois abre crédito suplementar sem autorização legislativa, violando o inciso V do artigo 167 da Carta Magna. O governo, cinicamente, alega que a manobra é legal e contemplada pelo parágrafo 3.º do mesmo artigo. O texto, no entanto, afirma que “a abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção interna ou calamidade pública”. Ora, como a comunicação institucional do governo federal e os Jogos Olímpicos se encaixariam em tal definição? Não é à toa o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar cancelando a MP na noite de domingo.
Se lembrarmos que Dilma está prestes a ser julgada no Senado, entre outras coisas, justamente pela edição de decretos de crédito extraordinário em desrespeito à Constituição, à lei orçamentária e à lei dos crimes de responsabilidade, chega a ser inacreditável vê-la persistir na prática que pode colocá-la para fora da Presidência. Ou a presidente já estaria tão convicta de sua saída que perdeu de vez o pudor e passou a cometer ilegalidades descaradamente?
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