As principais cidades brasileiras foram duramente atingidas pela greve geral convocada por partidos políticos e centrais sindicais para a sexta-feira. Estradas e ruas bloqueadas, transporte coletivo paralisado, estabelecimentos comerciais e industriais fechados. A adesão maciça de professores – uma das classes mais mobilizadas, ao lado de bancários, metalúrgicos e servidores públicos – também deixou escolas sem aula. Em alguns casos, houve confronto entre militantes e policiais.
O movimento grevista nem sempre usou de modos compatíveis com a democracia. A paralisação total do transporte coletivo em Curitiba, por exemplo, desobedeceu a uma determinação judicial, e os bloqueios em estradas eram uma violação flagrante do direito de ir e vir. Grevistas agrediram passageiros no Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Tudo isso demonstra mais uma vez aquele déficit democrático de que tanto falamos e que se manifesta quando um grupo tenta impor suas convicções pela força.
O que realmente está em jogo é como Brasília enxergou a greve geral
Mas o que realmente está em jogo é como Brasília enxergou a greve geral. No fim, é a avaliação dos parlamentares e do presidente Michel Temer que terá o maior impacto sobre as reformas da Previdência e trabalhista. Eles podem olhar para as dimensões da paralisação, a atividade interrompida nesta sexta-feira, e concluir que há uma oposição maciça da população às reformas. Ou podem avaliar que boa parte dos 40 milhões de brasileiros que, segundo as centrais sindicais, cruzaram os braços o fez não por convicção, mas por impossibilidade de chegar ao trabalho. Afinal, goste-se ou não, o movimento grevista foi inteligente em sua estratégia: ao interromper o transporte público e bloquear artérias vitais de grandes cidades, muita gente que desejava trabalhar foi impedida de fazê-lo. É o tipo de avaliação, no entanto, que inevitavelmente acabará contaminada pela preferência ideológica de cada um.
Fato é que a insatisfação é, sim, real e ampla. Nada mais natural, quando se trata de mudanças em algo tão vital quanto as relações de trabalho e o sustento na velhice. A possibilidade de que as expectativas em relação ao futuro não se concretizem, forçando uma alteração nos planos, é suficiente para inquietar os brasileiros – inclusive aqueles que se colocaram contra a greve geral. O que fazer em uma situação dessas?
Não nos parece que o ponto crítico seja o desconhecimento do conteúdo das reformas. Por mais que haja pessoas espalhando deliberadamente informação falsa, especialmente sobre a reforma trabalhista, não é preciso muito esforço para encontrar os termos corretos que estão sendo propostos e votados. Mas há uma incompreensão muito maior em relação à necessidade urgente das reformas. Muito pior que a oposição à exigência de se contribuir por 25 anos para se aposentar é a convicção de que o problema da Previdência Social não é tão grave assim, ou que ela não precisa de ajustes. É como estar em um transatlântico que afunda e julgar que a água entrando pela fresta da porta vem de uma jarra que alguém derrubou no corredor do navio, quando na verdade é um sinal de que a tragédia é iminente.
Mostrar essa realidade à população é uma prioridade das autoridades, embora haja dificuldades externas – como as decisões judiciais que proibiram publicidade governamental sobre a reforma da Previdência – e internas, pois a muitos defensores das propostas do governo falta estatura moral para pedir sacrifícios ao povo. Por isso, o caminho inclui tratar do tema da forma mais racional possível, para que a força dos argumentos venha dos números, da realidade, e não da pessoa que os defende; e que outras entidades da sociedade civil se engajem com mais forma na defesa das mudanças. A discussão não exige paralisia: o país passou tempo demais adiando as reformas e não pode perder o impulso que surgiu com a sua apresentação no Congresso. Parar tudo agora seria fatal para o Brasil. Mas ainda há espaço para o aperfeiçoamento das propostas, e o debate será mais enriquecedor quanto mais pessoas perceberem a real necessidade das reformas e se dispuserem à análise e crítica honesta, tendo em vista o bem da nação.