O Partido dos Trabalhadores realizou seu 5.º Congresso Nacional, na semana passada, sob pedidos unânimes de “mudança” e “reinvenção”, embora as diferentes tendências que compõem a legenda divergissem em alguns aspectos sobre o conteúdo dessa transformação, como se viu no Caderno de Teses que a Gazeta do Povo comentou em seu editorial de quinta-feira. Mas a maneira como o evento transcorreu parece indicar um outro caminho: o partido provavelmente permanecerá como está e as mudanças, se houver, serão apenas cosméticas.
Quando, no primeiríssimo dia do evento, os militantes de um partido intitulado “dos Trabalhadores” vibram ao ouvir seu líder máximo comemorar o desemprego alheio – no caso, de jornalistas de grandes redações brasileiras – e aplaudem, por três minutos, o ex-tesoureiro João Vaccari Neto, preso por acusações de envolvimento na roubalheira da Petrobras, já é possível imaginar que duas das grandes mudanças para melhor que o partido poderia tomar estão descartadas. A índole antidemocrática de lideranças que combatem a liberdade de imprensa e a leniência com a corrupção praticada por membros do partido, aquela mesma que transformou mensaleiros condenados em “guerreiros do povo brasileiro”, continuarão fazendo parte do DNA petista.
O fato de ainda haver oposição sólida ao PT, segundo a Carta de Salvador, não seria um dos pontos positivos do pluralismo democrático, mas o indesejado resultado de uma falha nos métodos do partido
Nesse sentido, é sintomático que a versão inicial da Carta de Salvador, elaborada pela chapa O Partido que Muda o Brasil e discutida ao longo do congresso, tenha afirmado que, se o partido cometeu erros, o maior deles foi o de não ter priorizado a “democratização dos meios de comunicação” assim que chegou ao Planalto. De uma maneira mais geral, o grande “erro” do partido, a julgar pelos autores da Carta, foi o de não ter conseguido a hegemonia completa no campo político e das ideias. O fato de ainda haver oposição sólida ao PT, por essa ótica, não é um dos pontos positivos do pluralismo democrático, mas o indesejado resultado de uma falha nos métodos do partido.
A crise econômica que aflige o Brasil, cuja raiz está na maneira irresponsável como o governo federal, nos últimos anos, tem conduzido a política econômica, domina o início da Carta de Salvador. Mas neste caso o partido se recusa a admitir erros, preferindo repetir o discurso da “crise internacional” (desmentido pela retomada do crescimento em diversos países, tanto em nações desenvolvidas quanto em vizinhos latino-americanos) e reciclando discursos de 50 anos atrás sobre “objetivos imperialistas”, a “insaciável acumulação capitalista”, “estruturas rentistas” e uma “ofensiva” dos “países imperialistas” (...) “contra as experiências latino-americanas”, mostrando que não há disposição em admitir as falhas cometidas e recorrendo ao já conhecido expediente de atribuir a culpa a fatores externos, com pitadas de teorias da conspiração. Como pilares da resistência à “estratégia imperialista”, o documento cita China, Rússia, a quase falida Grécia e a América Latina, em provável referência a Argentina e Venezuela, dois países que vivem o caos econômico.
Ao longo do congresso, a versão inicial da Carta de Salvador foi alterada em alguns pontos. Em raros casos, houve lampejos de lucidez, como a retirada do trecho que pedia a volta da CPMF, um imposto que pune especialmente os mais pobres; outras modificações atenuavam as críticas internas do partido ao ajuste fiscal promovido por Joaquim Levy, tentando apagar a impressão de que a legenda está fragmentada e descontente em relação à política econômica. De resto, segue tudo como está: mais uma oportunidade perdida para o partido rever algumas posições incompatíveis com a democracia e mostrar à sociedade que não tolera membros corruptos. Que aqueles petistas comprometidos com a ética na política e com o Estado democrático de direito tenham mais sucesso no futuro.
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