Com a presidente Dilma Rousseff afastada por 180 dias, faria bem ao Partido dos Trabalhadores um sincero exame de autocrítica que não decaísse em narrativas fantasiosas. A incapacidade de realizar as reformas que o país necessita, a incompetência gerencial, a manipulação das contas públicas – que jogou a nação e o governo num blecaute de informações sem precedentes –, a corrupção generalizada, tudo isso, precisaria ser enfrentado com coragem pelo PT. Afinal, Dilma não caiu só por crime de responsabilidade fiscal, mas, também, pelo conjunto de sua obra.

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Apesar de todos os erros cometidos, das ações e das condenações de ex-dirigentes da legenda na Justiça Federal, e mesmo diante de todos os fatos e provas contra parte de sua cúpula, o PT opta pela negação. E, numa tentativa desesperada, constrói uma história mentirosa. Na primeira reunião da Executiva Nacional do partido após o afastamento de Dilma, ocorrida entre segunda-feira (16) e terça-feira (17), a legenda lançou o documento a “Resolução sobre a Conjuntura – maio de 2016”, em que classifica o processo de impeachment como “golpe parlamentar, que rompeu com a ordem democrática e rasgou a Constituição”.

O documento traz afirmações ambíguas que fazem pensar quem realmente gostaria de perpetrar um golpe

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Na imaginária narrativa petista, o afastamento de Dilma teria sido fruto de uma “ofensiva planificada”, de uma conspiração da classe dominante. E a Operação Lava jato desempenharia “papel crucial na escalada golpista”, atuando de forma seletiva e violando o Estado Democrático de Direito.

Ora, nem seria necessário repetir o óbvio. O Congresso Nacional respeitou todos os procedimentos determinados pela Constituição Federal no rito do impeachment. O processo é legítimo. E a Lava jato tem atuado de forma republicana, com menos de 4% das decisões de primeiro grau sendo reformadas pelos tribunais superiores, sempre respeitando a ordem democrática. Falar em golpe é achar que, se o termo for repetido mil vezes, se tornará verdade – o que jamais acontecerá.

O documento traz também afirmações ambíguas que fazem pensar quem realmente gostaria de perpetrar um golpe. Em um trecho, o partido afirma que errou em descuidar da reforma do Estado e que isso passaria por “impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal”. Dado que a PF e o MPF têm trabalhado sem viés partidário, a afirmação de que o partido errou ao não intervir no comando desses órgãos é temerária e merece mais explicações do partido. Se o PT quiser dizer que deveria ter aparelhado esses órgãos investigatórios, a legenda estará proferindo um absurdo de tal magnitude que se pode sepultar qualquer esperança de reabilitação do partido.

Até mesmo quando pretende fazer uma autocrítica dos erros cometidos, a cúpula do PT se exime de responsabilidade. Afirma, na resolução, que seus integrantes foram “contaminados pelo financiamento empresarial de campanhas, estrutura celular de como as classes dominantes se articulam com o Estado, formando suas próprias bancadas corporativas e controlando governos”. Diferentemente do que gostaria de fazer crer, a legenda não foi vítima do sistema. Pelo contrário, seus dirigentes atuaram ativamente para subverter o princípio democrático, estruturando um sistema sem precedentes de compra de apoio político.

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É com base nessa narrativa extravagante que o PT se posiciona como oposição ao governo Michel Temer e convoca a militância para às ruas. Ainda é uma incógnita, entretanto, se os parlamentares da legenda irão seguir orientações tão descoladas da realidade. Certamente, mesmo nas hostes da legenda, há políticos conscientes dos erros cometidos. A eles cabe fazer uma autocrítica verdadeira sobre a herança maldita que uma geração de dirigentes legou ao partido.

Isso não significa que o PT deva deixar de ser oposição. Mas, aprendendo com os erros do passado, e com a experiência de ter sido governo, não precisa voltar aos tempos do “quanto pior, melhor”, até porque foi a própria legenda que jogou o país na pior crise da história, desde a redemocratização. Se há forças morais suficientes dentro do partido para chegar a essa visão é uma incógnita. Mas seria a única maneira do partido tentar se recuperar do atoleiro em que se meteu.