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Medicamentos do “tratamento precoce” continuam sendo pesquisados para se atestar o possível efeito contra a Covid-19.
Medicamentos do “tratamento precoce” continuam sendo pesquisados para se atestar o possível efeito contra a Covid-19.| Foto: Steve Buissinne/Pixabay

Os trabalhos da CPI da Covid-19, especialmente nas duas últimas semanas, serviram para reforçar uma tendência observada ao longo de praticamente toda a duração da pandemia, e que tem se apoiado na autoridade da ciência para promover, de forma contraditória, uma postura que de científica tem muito pouco, ou quase nada. Falamos da demonização do dito “tratamento precoce” contra a Covid-19, bem como de todos os profissionais que, de boa fé, têm prescrito determinados medicamentos a seus pacientes infectados e coletado os resultados de tais intervenções.

O comportamento dos senadores, seja no massacre imposto a médicos como Nise Yamaguchi, seja na vergonhosa fuga da maioria dos membros da comissão durante o depoimento de Francisco Cardoso e Ricardo Zimerman, mimetiza à risca o que vem sendo feito em maior escala por boa parte da imprensa e pelas Big Techs: hostilizar, calar ou ignorar os defensores do “tratamento precoce”. Reportagens sobre o tema confundem – intencionalmente ou não – leitores e espectadores ao abusar do termo “ineficácia comprovada”, em vez de “eficácia não comprovada”, dando a entender que já haveria uma definição irrevogável de que nenhum dos medicamentos em questão funciona contra a Covid-19, quando a atitude honesta, e verdadeiramente científica, seria afirmar que nem a eficácia nem a ineficácia estão estabelecidas acima de qualquer suspeita – pois este é o status atual das pesquisas, havendo estudos em grande quantidade apontando tanto para um lado quanto para outro.

Não há o menor cabimento em querer negar ao paciente a mera possibilidade de tentar curar-se da Covid pelo uso de certos medicamentos, nem em perseguir os médicos que os prescrevem

E aqui é preciso perguntar: onde está o maior risco à saúde pública? Diante de uma doença desconhecida, cujos mecanismos de ação no corpo humano ainda estão sendo desvendados, e contra a qual não existe nenhum medicamento desenvolvido especificamente para este fim, é razoável obrigar médicos a tratar apenas dos sintomas e esperar que o paciente acabe se curando? É razoável impedir um médico de prescrever um medicamento que ele, baseado em sua experiência prática, acredite poder conter a doença, desde que tudo seja feito em comum acordo com seu paciente, com ambos conscientes de que se trata do chamado uso off label (com uma finalidade diferente daquela para a qual o remédio foi desenvolvido) e dos possíveis efeitos colaterais? É razoável perseguir os médicos que assim procedem e que expõem seus resultados, praticamente como se fossem criminosos ou cúmplices de homicídio?

O uso off label de medicamentos, aliás, tem respaldo tanto de autoridades sanitárias quanto judiciais brasileiras. Texto publicado no site da Anvisa, por exemplo, afirma que “Quando um medicamento é aprovado para uma determinada indicação isso não implica que esta seja a única possível”; que “o uso off label de um medicamento é feito por conta e risco do médico que o prescreve, e pode eventualmente vir a caracterizar um erro médico, mas em grande parte das vezes trata-se de uso essencialmente correto, apenas ainda não aprovado”; e que “a classificação de uma indicação como off label pode, pois, variar temporalmente e de lugar para lugar. O uso off label é, por definição, não autorizado por uma agência reguladora, mas isso não implica que seja incorreto”. E, em setembro de 2018, a 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça recusou recurso de um plano de saúde que se recusava a fornecer o medicamento prescrito por um médico para tratamento de um tumor. A empresa alegava tratar-se de uso off label, mas a corte entendeu que, sendo o referido remédio já aprovado pela Anvisa, não havia motivos para se recusar o fornecimento, já que o médico assumia os riscos de seu uso – mesmo entendimento foi reforçado um mês depois, em outro caso, julgado pela 4.ª Turma do STJ.

Em resumo, não há o menor cabimento em querer negar ao paciente – e por razões puramente ideológicas, tendo em vista a polarização política brasileira e o fato de o “tratamento precoce” ser promovido pelo atual governo – a mera possibilidade de tentar curar-se da Covid pelo uso desses medicamentos, nem em perseguir os médicos que os prescrevem, convencidos de que eles darão uma chance adicional de cura aos infectados. Agir dessa forma denota apenas um duplo padrão, quando se exige dos medicamentos do “tratamento precoce” um grau de certeza que não está sendo exigido das vacinas contra a Covid-19. Se estamos aplicando as vacinas antes de estarem concluídos, por exemplo, os estudos sobre efeitos colaterais – e precisamos, sim, aplicá-las, pois infelizmente a pandemia não nos dá tempo de esperar até o encerramento desses estudos –, não há motivo para não fazer o mesmo com os medicamentos para quem já se infectou. Quando o assunto é o combate à Covid-19, praticamente tudo ainda deve ser considerado experimental.

Uma lição valiosa a respeito da necessidade de mais prudência e menos censura vem da hipótese da origem laboratorial do Sars-CoV-2, que foi desprezada como “teoria da conspiração” por mais de um ano, sendo assunto proibido na imprensa e nas mídias sociais. O trabalho diligente de investigadores independentes conseguiu romper a espiral de silêncio e agora esta hipótese se tornou válida, mesmo que ainda não comprovada, enquanto parte do jornalismo mundial tenta cinicamente convencer o público de que jamais pretendeu interditar o debate. Nada impede que algo semelhante venha a ocorrer no caso dos medicamentos – e, ao contrário do que se poderia supor em caso de “ineficácia comprovada”, os testes com os remédios do “tratamento precoce” continuam sendo feitos: a Universidade de Oxford acaba de anunciar um estudo em larga escala com a ivermectina. Esta, sim, é a postura verdadeiramente científica: investigar o quanto for preciso na busca de resultados conclusivos; mas, enquanto eles não vêm, não se pode, jamais, cassar a autonomia médica e o direito do profissional a buscar os melhores meios de ajudar seus pacientes, baseando-se na evidência empírica, sem medo de ser perseguidos por agir de boa fé em um campo no qual as dúvidas ainda superam em muito as certezas.

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