A cada fim de mandato de um chefe de Executivo, seja municipal, estadual ou federal, a reclamação mais comum é a de que as promessas feitas na campanha não foram cumpridas. Esquecer daquilo que foi dito na disputa eleitoral é tão comum que, diante de um político que, nos primeiros dias de mandato, coloca em prática alguns dos carros-chefe de sua campanha, a reação costuma ser de surpresa positiva – isso, é claro, dependendo do conteúdo das promessas. No caso de Donald Trump, não se pode negar que ele vem agindo como um trator; o problema é que, na grande maioria dos casos, ele está cumprindo a palavra justamente naquilo que propôs de pior, errando na forma e no conteúdo.
Tome-se, por exemplo, o caso do muro na fronteira com o México, cuja construção ele já anunciou. Descartamos comparações esdrúxulas com o Muro de Berlim, feito para impedir que cidadãos fugissem da Alemanha comunista; da mesma forma, não se questiona o direito de uma nação a escolher quem nela pode entrar, nem se critica o combate à imigração ilegal, que pressiona os serviços públicos sem a contrapartida do pagamento de impostos. Mas toda a retórica do “build the wall” tem o potencial de criar hostilidade contra o próprio fenômeno da imigração, que fez a grandiosidade da América – essa mesma que Trump promete restaurar – graças ao trabalho duro e ao espírito inovador de inúmeros estrangeiros que fizeram dos Estados Unidos o seu lar. O discurso de Trump em relação aos mexicanos não discrimina entre legais e ilegais, trabalhadores e criminosos. Não à toa o presidente do México, Enrique Peña Nieto, cancelou um encontro com o norte-americano.
O “buy American, hire American” ignora os princípios básicos do livre comércio
Outro dos primeiros atos de Trump foi fazer naufragar a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), pois sem os Estados Unidos o acordo não entra em vigor. Por mais que agora se argumente que o conteúdo do TPP não era tão liberal assim, que criaria um sem-fim de regulações, o problema de fundo não é este. Os EUA teriam peso suficiente para renegociar os termos do TPP de forma a efetivamente transformá-lo em uma ferramenta de livre comércio – bastaria estudá-lo com calma. Mas não é isso que Trump deseja. Sua plataforma é “buy American, hire American”: só é bom o que for produzido nos Estados Unidos, por funcionários norte-americanos – uma política que ignora os princípios básicos do livre comércio, cujos benefícios já foram amplamente comprovados inclusive nos próprios EUA.
No entanto, há uma promessa cumprida de Trump que merece elogios: ele barrou o financiamento público para organizações que realizam abortos no exterior, ou buscam mudar a legislação de países onde a prática é proibida. Essa regra, chamada de “política da Cidade do México”, foi instituída por Ronald Reagan em 1984, anulada por Bill Clinton, restaurada por George W. Bush e novamente anulada por Barack Obama. Ao contrário do caso da Parceria Transpacífico, aqui já não há dúvida nenhuma de que o dinheiro do contribuinte americano estava sendo usado para financiar a eliminação deliberada de seres humanos indefesos e inocentes, ou pelo menos a defesa de um suposto “direito ao aborto”, como se fosse possível falar em “direito” a matar nessas condições. A decisão de cortar o financiamento do abortismo internacional é, de longe, o grande acerto de Trump até o momento.
É paradoxal: o presidente que demonstra respeito pela dignidade humana dos não nascidos ignora completamente essa dignidade, em seus discursos e tweets destemperados, quando se trata de outros grupos que não contam com sua aprovação. Esperamos que o “primeiro” Trump prevaleça, mas a maioria de suas atitudes iniciais na Casa Branca não ajuda a alimentar essa esperança.
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