| Foto: Adalberto Roque/AFP

Na noite de sexta-feira (25), faleceu um dos personagens-chave da história recente da América Latina: Fidel Castro, que governou Cuba como ditador entre 1959 e 2006. É impossível compreender o continente sem conhecer o modelo que ele implantou em seu país e nunca desistiu de exportar, seja pela via armada, seja pela via do discurso populista, com mais ou menos sucesso dependendo da época e do país.

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Descrever o seu legado não permite ambiguidades. Não podemos tratá-lo como “líder controverso”, um “revolucionário idealista” que precisou quebrar ovos para fazer a omelete de um país socialmente justo. Cita-se, entre suas frases icônicas, “Socialismo ou morte!”. Mas para definir Fidel seria melhor dizer “socialismo e morte”. Pois ele foi um ditador sanguinário, que transformou Cuba em uma prisão a céu aberto, quase uma propriedade familiar (basta ver quem ele apontou como sucessor). Foi o comandante da mais assassina ditadura latino-americana, e isso em uma época pródiga em regimes autoritários e violentos no continente. E quase lançou o mundo em uma guerra nuclear, durante a “crise dos mísseis” de 1962.

A Cuba de Fidel se tornou o país do paredón, da perseguição a diversas minorias, das multidões de presos políticos, da perseguição à imprensa livre, do horror narrado por escritores como Armando Valladares e Reinaldo Arenas. Os defensores de Fidel – pois, inacreditavelmente, os há – preferirão apontar certa evolução em indicadores sociais como educação e saúde, questão até certo ponto controversa e cujo papel é questionado até mesmo por intelectuais de esquerda, como a socióloga argentina Claudia Hilb, que, em seu livro Silêncio, Cuba, mostra como essa “política social” esteve intrinsecamente ligada, desde o início, ao projeto de poder total de Fidel.

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E nem mesmo a melhoria nesses indicadores, se for real, fez de Cuba a “terra prometida” que o socialismo diz tentar construir, falhando miseravelmente em todos os casos. Com Cuba não foi diferente, e o atestam as inúmeras tentativas que cubanos comuns fazem para fugir da ilha e fazer a curta, mas perigosa travessia até os Estados Unidos em jangadas improvisadas. Sorte um pouco melhor têm atletas e médicos, enviados por Cuba a solo estrangeiro – estes, usados quase como escravos, tendo a maior parte do seu salário confiscado pelo governo cubano; aqueles, integrantes de delegações que perpetuam a tradição socialista de usar o esporte como instrumento de propaganda do regime. Mas também eles se arriscam, driblando a vigilância para desertar. Este, sim, é o mais eficaz dos indicadores de bem-estar: o que pensar de um país cujos cidadãos estão dispostos a arriscar a própria vida para sair dele?

E este é um cenário que a morte de Fidel não muda. Cuba segue tão autoritária quanto antes, nas mãos de seu irmão Raul. A incipiente abertura econômica não vem acompanhada de nenhum grau de liberdade política. Os cubanos se livram da presença física de seu longevo ditador, mas ainda levarão tempo para se livrar de seu legado.