O Mercosul entrou nesta semana em uma crise institucional sem precedentes. Três membros fundadores – Brasil, Paraguai e Argentina – se colocaram contra a posse da Venezuela na presidência do bloco após o Uruguai (o quarto fundador) ter deixado o posto sem transmiti-lo oficialmente. O presidente venezuelano Nicolás Maduro declarou ter assumido a presidência de forma unilateral.
A disputa tem como pano de fundo o desconforto de Brasil, Argentina e Paraguai com a possibilidade de verem na liderança do Mercosul uma figura como Maduro, presidente de um país quebrado e que está longe de assegurar o cumprimento integral das regras democráticas e de direitos humanos exigidas pelo bloco. A contrariedade chegou ao ponto de a diplomacia desses países adotarem uma estratégia no estilo “os fins justificam os meios”.
Os países fundadores do Mercosul pagam hoje pelos erros do passado. A Venezuela não tinha condições de fazer parte do grupo quando seu protocolo de acesso foi assinado por Hugo Chávez, um ditador que usou a violência e a ruptura com a democracia para se perpetuar no poder. Além disso, sua confirmação como parte do Mercosul só ocorreu porque o Paraguai foi suspenso, em 2012, quando se tratou como rompimento com a democracia o impeachment legal do então presidente Fernando Lugo. O chavismo continuou na figura de Maduro, que manteve as práticas de perseguição a opositores, cerceamento da liberdade de imprensa e estatização desenfreada da economia.
Por ter consentido com o acesso da Venezuela ao bloco, o Brasil não tem razões agora para violar o Tratado de Assunção. O respeito às regras estabelecidas vem antes da vontade política.
É natural que as lideranças de Brasil, Argentina e Paraguai, que encerraram o ciclo de admiração ao chavismo que tomava conta do Mercosul, tenham dificuldade em reconhecer Maduro como presidente. Está claro para os três países – que ainda enfrentam resistência do Uruguai para formar consenso sobre a questão – que o presidente venezuelano quer se aproveitar da chancela do bloco para ganhar pontos na batalha interna que mantém contra seus opositores. As imagens recentes de escassez de produtos básicos e de venezuelanos se amontoando em supermercados da Colômbia para comprar comida reforçam esse mal-estar.
O problema é que Brasil, Paraguai e Argentina fizeram a escolha perigosa de encontrar nas entrelinhas dos acordos do Mercosul uma forma de barrar a presidência venezuelana. O argumento trazido pelo Paraguai e chancelado pelo Brasil é o de que não houve consenso entre os membros para a posse de Maduro. A norma invocada é um artigo do Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1996, e que se refere à estrutura decisória do Mercosul e não ao sistema de rotação que está no Tratado de Assunção, documento fundador do grupo.
O Tratado de Assunção dita as normas da sucessão na presidência e não traz nenhum impedimento explícito à posse de Maduro. Ele prevê que haverá troca na presidência a cada seis meses, com rotatividade por ordem alfabética. Foi assim que a própria Venezuela assumiu o bloco em julho de 2013.
Por ter consentido com o acesso da Venezuela ao bloco, o Brasil não tem razões agora para violar o Tratado de Assunção. O respeito às regras estabelecidas vem antes da vontade política.
Isso não significa que a diplomacia brasileira não traga em sua argumentação um ponto importante e que deve ser levado adiante nos encontros que ocorrem nesta quinta e sexta-feira entre membros dos Estados fundadores do Mercosul. A Venezuela se comprometeu a incorporar as normas do bloco à sua legislação dentro de quatro anos após começar a vigorar seu protocolo de acesso. Esse prazo, como vem destacando o Itamaraty, vence em 12 de agosto. É motivo que pode levar à suspensão da Venezuela, dependendo do consenso dos quatro fundadores – que precisam neste momento procurar uma saída que minimize os danos à imagem da instituição.
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