Ninguém imaginaria que Lula receberia em silêncio uma denúncia tão avassaladora quanto a que a força-tarefa da Lava Jato apresentou na quarta-feira. E ninguém se surpreende ao ver que, mais uma vez, o ex-presidente recorre à mentira e às bravatas. Como quando citou o já famoso “não temos provas, mas temos convicções”, uma frase inexistente atribuída ao procurador Deltan Dallagnol, criada e espalhada pela blogosfera de esquerda para tentar desmoralizar a Lava Jato. Ou quando disse que “irá a pé” para a prisão caso fique comprovado que ele é culpado de corrupção.
Nem a história de vida, nem as vitórias eleitorais, nem as eventuais realizações de Lula na Presidência fazem dele um homem inimputável
O discurso juntou todos os elementos já tradicionais no palavrório lulista, suficientes para montar uma cartela de bingo que o público pode preencher a cada evento desses. A infância pobre, o “ódio das elites”, o choro, a “entrega do pré-sal”, o “golpe”, o “fortalecimento das instituições”, as comparações com Jesus Cristo, o desconforto dos ricos com o “pobre andando de avião”. Novidade, no discurso de quinta-feira, foi o insulto aos funcionários públicos concursados, que segundo o ex-presidente são menos honestos que os políticos. Afinal, o político, “por mais ladrão que ele seja, tem que ir para a rua encarar o povo e pedir voto”, enquanto o servidor público “se forma na universidade, faz um concurso e está com emprego garantido o resto da vida”. Lula, o líder máximo do Partido dos Trabalhadores, zomba sem dó dos trabalhadores – e, indiretamente, das instituições que esses servidores ajudam a fazer funcionar –, ao classificá-los como inferiores a um político demagogo que se elege enganando o povo.
E o voto popular, no discurso do pai da “propinocracia”, tem um poder mágico que vai muito além do mandato popular para se exercer um cargo eletivo. O voto, para Lula, é ao mesmo tempo uma absolvição e uma carta branca. O político “é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o seu emprego” e, se o povo atende esse pedido, estaria perdoando as roubalheiras passadas e autorizando as roubalheiras futuras. Afinal, quem critica esquemas como o mensalão e o petrolão “não tem noção do que é um governo de coalizão”. Sujar-se, e sujar-se muito, é condição sine qua non para governar, nesse raciocínio. Não havia escolha: Lula teve de assumir a condição de “maestro”, “general”, “comandante máximo” do saque ao Estado, para usar as expressões da força-tarefa da Lava Jato. Foi o povo que lhe deu essa missão nas urnas, quando fez dele o presidente da República.
Acontece que só na mente de Lula e da claque presente a seu discurso isso serve de defesa contra a denúncia concreta oferecida pela força-tarefa. No mundo real, valem as evidências colhidas e apresentadas nas centenas de páginas que o juiz Sergio Moro terá de analisar. Nem a história de vida, nem as vitórias eleitorais, nem as eventuais realizações de Lula na Presidência fazem dele um homem inimputável. E, se o melhor que a defesa consegue alegar diante das quase 150 páginas da denúncia, é que ele nunca passou nem uma noite sequer no triplex, que a papelada do imóvel não tem o seu nome – quando a acusação é justamente a de que o ex-presidente tramou para ocultar a real propriedade do apartamento –, é bem possível que Lula tenha de escolher um bom par de tênis para cumprir sua promessa.
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