Reconheça-se: não está fácil a vida de Dilma Rousseff. Não tem o biotipo adequado para desempenhar o papel de um toureiro espanhol, capaz de movimentos rápidos e precisos para escapar dos ataques do animal; nem sua pontaria é boa para fincar-lhe as bandarilhas que o fazem sangrar aos poucos e enfraquecê-lo para o embate final. Dilma bem que tentou, mas os papéis se inverteram: é o PMDB que arranca olés enquanto a presidente corre para salvar a si mesma e ao governo. Não fosse trágico, seria cômico assistir a uma tourada em que o toureiro, em vez de vencer o touro, distribuísse-lhe agrados para evitar novos ataques.

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Este, figurativamente, é o drama que a presidente vem sofrendo. Emparedada com ameaças de impeachment que pairam no ar, frequentemente derrotada em votações na Câmara e precisando colocar em pé uma economia que seu próprio governo arruinou, Dilma sabe que em tudo depende do PMDB – partido majoritário no Congresso e que detém a presidência das duas casas. Para ter sucesso em quaisquer dessas operações, é preciso domar esse que outrora foi um aliado dócil e, em boa parte graças à intransigência da própria Dilma, agora anda bufando na arena.

Como se sabe, o PMDB só se acalma quando saciado da fome de poder e de cargos, principalmente os mais rentáveis. Portanto, é melhor ser amigo do touro. Vai daí que, a cada ocasião em que a presidente precisa contar com sua boa vontade, em vez de bandarilhas oferece-lhe mais posições, a despeito do discurso de reduzir o tamanho do governo.

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Convicção ou pragmatismo? O que move o touro peemedebista?

Dilma anunciou o corte de uma dezena de ministérios – medida de caráter meramente simbólico para infundir na opinião pública a ideia de que estaria “cortando na própria carne” para reduzir os gastos. Mas como distribuir as pastas restantes de modo a não desagradar seu próprio partido, o PT, e – sobretudo – não acirrar os repentinos e sempre oportunistas ânimos oposicionistas do PMDB?

Dilma precisava agir rápido, pois dependia do Congresso para manter os vetos presidenciais a vários itens da “pauta-bomba” que criavam gastos adicionais ao governo, comprometendo o já débil esforço fiscal. Para garantir o apoio aos vetos, Dilma ofereceu seis pastas estratégicas e “rentáveis”, como os da Saúde, Minas e Energia, Portos, Aviação Civil, Agricultura e Turismo. Não as definiu de comum acordo com o desafeto Eduardo Cunha, presidente da Câmara; nem com o liso senador Renan Calheiros, presidente do Senado; muito menos com o vice-presidente da República e presidente nacional do PMDB, Michel Temer. Preferiu negociar cargos e nomes com o deputado fluminense Leonardo Picciani, líder da bancada peemedebista na Câmara e ex-aliado de Cunha.

Pensava a presidente que, alijando os caciques, teria mais tranquilidade para fazer a reforma do gabinete. Não é o que está ocorrendo. Já por meia dúzia de vezes se obrigou a adiar o anúncio das mudanças porque seis ministérios podem não ser suficientes para saciar o touro. Quem sabe seja necessário dar-lhe um sétimo, ainda indefinido.

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Enquanto Dilma tenta seduzir Picciani acenando com um eventual futuro apoio às pretensões do deputado à presidência da Câmara, o que se ouve de Temer, Cunha e Renan é um certo grito de independência do PMDB. Basta assistir ao programa partidário exibido na última quinta-feira, cheio de críticas ao governo e insinuações de que o partido, Temer à frente, estaria pronto para a tarefa de “reunificação” que o momento exigiria.

Convicção ou pragmatismo? O que move o touro peemedebista? De um lado, Dilma afaga jovens líderes do partido com promessas de um futuro brilhante; de outro, os caciques ensaiam uma ameaça à estabilidade do governo supostamente baseada na posição republicana de uma legenda que estaria disposta a contribuir para a salvação da pátria – sinceridade essa que será testada pela soma de ministérios e cargos que forem dados ao partido.

Nomes? Nem Dilma sabe ao certo, fato que dá bem a medida da despreocupação com a eficiência da máquina pública (que exigiria a formação de um time de notáveis) e da primazia que dedica ao arranjo político sob a égide das mesmas regras meramente fisiológicas que marcam há tempos a divisão de poder no país.

Entre touros e toureiros, o risco é que se salvem todos.