A Câmara dos Deputados vem votando individualmente, em primeiro turno, itens da reforma política e aprovou, no fim de maio, o que até agora é o mais relevante dos pontos analisados pelos deputados: o fim da reeleição para cargos no Poder Executivo. No entanto, a julgar pelos argumentos apresentados pelos parlamentares, parece-nos que eles podem ter acertado em alguns diagnósticos, mas falham redondamente ao apontar o fim da reeleição como solução para os problemas que o sistema político brasileiro atravessa.
Na pretensão dos parlamentares de colocar fim à reeleição, manifesta-se uma atitude paternalista
O uso da máquina administrativa pelos governantes foi apontado por diversos parlamentares como o principal motivo para extinguir a reeleição. Eis o exemplo mais perfeito do que descrevíamos anteriormente: identifica-se corretamente o problema, mas propõe-se o remédio errado. A reeleição não criou o uso da máquina; ela já existia no Brasil muito antes de 1997, ano em que o Congresso aprovou a proposta de emenda constitucional permitindo a reeleição para cargos do Executivo, e não necessariamente depende de o candidato beneficiado ser aquele que já exerce mandato – basta observar como Lula empenhou mundos e fundos na eleição de Dilma Rousseff. Essa falta de escrúpulo na identificação entre patrimônio público e patrimônio privado/partidário teria ocorrido ainda que nunca tivesse havido reeleição no Brasil.
É preciso aceitar, no entanto, que a população pode, sim, reeleger governantes incompetentes ou corruptos; esse fenômeno tem as mais diversas origens, entre as quais a permanência da mentalidade conhecida como “rouba, mas faz”. Mas, ainda que seja assim, essa constatação jamais deveria ser motivo para extinguir a reeleição. Os eleitores precisam ter a liberdade de poder dar mais tempo, através de um novo mandato, para que o governante possa implementar seu plano de governo. Podem ser estabelecidos limites, como a possibilidade de o incumbente só poder buscar um novo mandato, como acontece atualmente no país para cargos no Executivo para evitar exageros, mas não há motivos suficientes para pôr fim à reeleição. Democracias muito mais amadurecidas que a brasileira mantêm a possibilidade de reeleição em seus sistemas eleitorais sem que isso coloque em risco a legitimidade do processo democrático.
Na pretensão dos parlamentares de colocar fim à reeleição, manifesta-se aquele paternalismo típico da cultura política brasileira (como no caso da recente lei capixaba que proíbe saleiros nas mesas de bares e restaurantes): uma convicção de que o cidadão não sabe cuidar de si próprio e precisa que o Estado lhe diga o que é melhor. No caso da reeleição, trata-se de considerar o eleitor incapaz de distinguir entre o bom governante, que conquista um novo mandato por seus méritos, e aquele que só se reelegeu por usar a máquina pública. É uma presunção absurda, ainda mais considerando que a reeleição está em uso no país há menos de 20 anos, tempo insuficiente para avaliar com clareza seus efeitos.
Como afirmamos no início, o fim da reeleição é a mais significativa das mudanças decididas pelo Congresso na reforma política, o que dá uma ideia da pouca diferença que as demais alterações (idade mínima para concorrer a cargos eletivos, duração de mandatos, doações de empresas para partidos e não para candidatos) farão no panorama político-eleitoral. Medidas realmente importantes para aperfeiçoar a política, como a adoção do voto distrital misto – em nossa opinião, o melhor sistema, por reforçar o vínculo entre eleitores e eleitos sem enfraquecer os partidos nem gerar risco de sub-representação –, acabaram descartadas. Também não há nada que permita vislumbrar um fim para o uso eleitoral da máquina pública. Reformas desse tipo, que só acabam mudando a fachada e conservando a estrutura, de pouco adiantam para sanar os graves problemas da cultura política nacional.
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