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Editorial

Senso de responsabilidade

 | Andressa Anholete/AFP
(Foto: Andressa Anholete/AFP)

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, agiu com a responsabilidade que o momento exige. Com a morte de Teori Zavascki, relator dos processos da Lava Jato que envolvem detentores de foro privilegiado, Cármen Lúcia pediu à equipe de Zavascki que terminasse o trabalho em curso, envolvendo as quase 80 delações premiadas de executivos da empreiteira Odebrecht, e homologou todas elas nesta segunda-feira.

A decisão estava dentro das prerrogativas que o regimento do STF reserva ao presidente da corte. Até esta terça-feira, o Judiciário está em recesso, e o artigo 13, VIII do regimento permite ao presidente “decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias”. Se Cármen Lúcia esperasse apenas mais alguns dias, a homologação teria de esperar até a definição do novo relator, privando o Ministério Público Federal da possibilidade de começar a trabalhar desde já com as informações dadas pelos executivos.

As delações podem mostrar com nitidez como se processa a simbiose criminosa entre setor público e iniciativa privada

O conteúdo dessas delações é temido pela quantidade de políticos citados pelos executivos – fala-se em centenas deles, no Executivo e no Legislativo. Mas o potencial das informações é ainda maior e mais duradouro: elas podem mostrar com nitidez nunca vista como se processa, no Brasil, a simbiose criminosa entre setor público e iniciativa privada: para prosperar, empresários, em vez de encarar a competição e promover a inovação para permanecer no mercado, se encostam em governos amigos; por sua vez, ao se considerarem os grandes protagonistas do crescimento econômico, os governos dão aos que deles fazem parte a oportunidade de enriquecimento pessoal e partidário por meio do oferecimento de facilidades a esses mesmos empresários. É o mesmo roteiro que está colocando na prisão Eike Batista, aquele que talvez seja o exemplo mais perfeito de “empresário amigo de governo”.

Mas todo esse cenário ainda pode demorar um pouco para ser conhecido com toda a sua riqueza de detalhes: ao homologar as delações, Cármen Lúcia optou por manter o sigilo sobre seu conteúdo. Nisso, ela segue a prática adotada pelo próprio Teori Zavascki, baseada na lei sobre delações premiadas (12.850/2013), que diz, em seu artigo 7.º, que “o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia”, o que depende do MPF. O procurador-geral da República, no entanto, pode pedir a liberação do conteúdo das delações antes do oferecimento das denúncias.

Embora haja boas razões para se manter o sigilo até que a PGR ofereça denúncia contra políticos detentores de foro privilegiado, a divulgação formal do conteúdo das delações ofereceria algumas vantagens. Ao colocar um fim nas suposições, especulações e boatos, permitiria separar definitivamente o joio do trigo no que diz respeito aos políticos citados, alguns dos quais receberam doações de campanha de forma perfeitamente legal (e não necessariamente agiram em favor da Odebrecht, como mostra a delação vazada de Cláudio Melo Filho) enquanto outros, sim, estão envolvidos com caixa dois – uma informação muito útil ao eleitor que precisa estar de olho em como deputados e senadores estão votando projetos de lei como o de abuso de autoridade e as Dez Medidas Contra a Corrupção, ambos em tramitação no Congresso. E, com a publicação dos conteúdos, haveria um ponto final na possibilidade de vazamentos, sempre sujeitos à exploração política.

Se a PGR efetivamente solicitar o fim do sigilo, é mais provável que o pedido seja analisado apenas quando a Lava Jato tiver um novo relator no Supremo. E aqui está o próximo desafio de Cármen Lúcia: com o presidente Michel Temer dando a entender que só nomeará alguém para a vaga de Zavascki após a definição do relator, a presidente do STF não pode demorar demais para definir quem conduzirá os processos daqui em diante. Do contrário, de pouco terá adiantado acelerar a homologação das delações.

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