Gilberto Gil diz que no palco a alma cheira a talco, igual bumbum de bebê. Imagino que Robert Plant não tenha a mesma sensação cândida. Aos 20, magreza exposta, a juba dava ar poderoso, emoldurando a voz que rugia como leão na savana. Era o macho (viril, acho!) alfa. O tempo passou, o gris crespo disfarçado com tintura de coiffeur, a face com aparência cansada, camisa escondendo a barriga, dão a impressão de que a fera está enjaulada, contida. Súbito, a voz leonina escapa da jaula e rejuvenesce os "entões" da plateia. Quando a guitarra e a bateria são vencidas pelo canto que urra its been a long time since I rock and roll, parecem Lázaros ressuscitando, revivendo o tempo em que eram uma brasa, mora?
A intensidade da música que levanta reumáticos vem de um ícone cabeludo e barbudo que se movimenta como se estivesse em missão religiosa. Gestos, passos, expressões faciais dão a impressão de alguém atordoado e confuso com o sopro divinal que brota de seu corpo e alcança o público. O deus do rock tem presença espetacular e canta bem barbaridade. Porém, há uma pontinha de decepção ao fim da barulheira, como se a divindade cedesse passo à realidade. Ele e os discípulos percebem que Cronos é mais poderoso. Good times, bad times.
Robert... Zeppelin se agigantava no palco. A voz maior que o baixinho menos de 1,70 m fazia os olhos verem titã duelando contra os dedos mágicos de Page voando nas cordas da guitarra. De certa forma, a visão direta, sem mídia, de um senhor que canta muito bem fez o sonho acabar. Prefiro os vídeos imperfeitos dos anos 70, primaveris, ao contato pessoal com o outono, when leaves are falling all around.
Os seniores do rock and roll estão vindo a Curitiba. Entramos no radar! Bem, o Nazareth já se apresentou até nos confins do planalto catarinense. Mais algum tempo e haverá monstros sagrados plangendo aos sábados na Boca Maldita. Enriquecemos ou empobreceram? Paul McCartney, dizem, cantará em bares da Ilha do Mel, saudando a galera em português enrolado. Sei não, as coisas eram mais míticas quando eles pareciam ser de outro planeta e, bons românticos, subiam jovens as escadarias para o paraíso, desaparecendo como cigarras que espalham beleza e somem deixando apenas lembranças.
Gostou?, pergunto para outro. É... valeu. Realizei o desejo de conhecer um ídolo da minha juventude. Volto à carga e pergunto: gostou do espetáculo? A resposta é tergiversante, circundando o não, mas sem afirmá-lo categoricamente. O sentimento é dúbio porque, quando o fã realiza o sonho, acaba o encanto. "Desencantados" talvez seja a palavra para descrever os rostos que saiam do teatro.
O frenesi é retomado em casa ouvindo Black Dog a toda força, pensando na mulher de pernas longas que tem um jeito de mexer o corpo que te faz queimar por dentro. Let me get it back, babe. A patroa olha tudo aquilo e você disfarça, pondo Hells Bells no áudio do computador, e se lembra do Scott do AC/DC dizendo que nunca se é velho demais para o rock and roll.
Celebration day. Dance e cante. Hora do exorcismo ateu de todos os males.
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