Contra fatos não há argumentos, diz a sabedoria popular. Porém, a obviedade lógica cede passo diante da negação da existência do fato ou de múltiplas interpretações sobre causas e efeitos dos fatos. Em suma, nada é simples ao estilo pão pão, queijo queijo. As coisas sempre podem resultar em Romeu e Julieta, com subtração do pão e adição de goiabada ao queijo. Essa cautela epistemológica deve nortear o cientista e também o comentarista que expressa opinião com a pretensão de fazer análise um pouquinho mais sofisticada que a de mesa de bar depois da segunda rodada de cerveja.
É bem verdade que análises etílicas parecem aptas a resolver todos os problemas do mundo. Levemente ébrios acreditam saber o que os sóbrios não sabem. Os muito bêbados veem o mundo girar e dele querem descer a tempo do gran finale. Futebol, infraestrutura, política, corrupção, julgamento do mensalão, bebum de Rosemary, medicina, poda de árvores que caem sobre casas nas tempestades do verão. Não há assunto sobre o qual vozes alteradas, faces ruborizadas, abstenham-se de tratar reconhecendo ignorância. In vino, veritas. In vino, praesumptio.
Nessa época, fim de ano para a civilização cristã, as pessoas aceleram as atividades, tentando cumprir a agenda que conduziram de modo frouxo ao longo de 12 meses. Para o comentarista, cristão por imersão, há pressão para expor em poucas palavras a síntese de todas as teses e antíteses do período. Quem sabe, numa única palavra, propiciar a compreensão de tudo. É penoso dizer, mas não existe mágica. Marx e Einstein tentaram explicar tudo. Nas explicações parciais, até que se deram bem. Ao teorizar a fórmula do todo, se deram mal. Apreender e compreender todos os fatos é absolutamente impossível. Por isso, por mais pretensioso que o comentarista seja, as suas agudas observações de ontem não passam de obtusos equívocos hoje. O tempo é senhor de toda razão e demolição. Não resta pedra sobre pedra, ideia sobre ideia.
Posto cruamente ante a incapacidade de levar ao leitor as palavras que traduzam o estrépito do mundo para linguagem compreensível, o comentarista se sente esmagado pela imensidão diminuta de sua capacidade de entender os acontecimentos. Atilado, antenado, ligado, adjetivos que sopravam fresca aragem sobre seu cenho são agora ar tórrido soprado na face, torturando-o para que fale, conte as verdades que não sabe.
Dedos voam sobre o teclado e brota som que traz o pedido para devolução do Neruda que você me tomou e nunca leu. O resto é seu. Numa única linha da partitura há mais sabedoria sobre a vida que em milhares de palavras escritas e reescritas no afã de entender, explicar, opinar.
Exaustos de tanto explicar e solucionar os problemas da humanidade, resolvem dar atenção ao dedilhar nas cordas e voz suave dizendo que até o meu português ruim vai fazer você se lembrar de mim. Rendem-se à música e a cantoria avança pela noite celebrando o prazer de viver, ainda que sejam incapazes de entender por que, para que e até quando.