Na democracia grega, os escravos compunham a maioria absoluta da população, mas não tinham direito de voto. Imagino, contudo, que ficassem torcendo na época das eleições, tal como ocorre fora dos EUA com as eleições americanas, cruciais num mundo dominado cultural e economicamente pela superpotência.
A disputa americana, entretanto, deixa de fora o mundo exterior. Ela expressa uma cisão cultural fortíssima, dominada por temas internos: aborto, saúde pública, ensino, ambientalismo, respeito à religião etc. Cada metade da população abraça um conjunto de posições e demoniza o grupo oposto; as diferenças de política externa das plataformas tomam um distante segundo plano às visões divergentes de como deveria ser a sociedade americana.
Para nós, todavia, no resto do mundo, sem direito de voto e sem interesse real na política interna americana, é forçosamente a externa que interessa mais. As consequências indiretas da política interna como a desvalorização do dólar devida ao socorro prestado às grandes empresas, prejudicando as nossas exportações também são graves, mas as instabilidades geopolíticas causadas pela intervenção armada direta dos EUA acabam tendo mais vítimas.
Quem as incita, no plano interno, é o mesmo complexo industrial-militar que já preocupava em 1961 o presidente Eisenhower. Na eleição passada, a plataforma de Obama propunha uma forte redução das intervenções armadas; não só isto não ocorreu, como elas aumentaram. Guantánamo, que ele prometera fechar, continua em funcionamento. Não é mais possível a um presidente americano levantar-se contra estes interesses; agora é sempre preciso "ir ao exterior em busca de monstros a destruir", o que John Quincy Adams dizia em 1821 ser algo que os EUA não faziam. Neste sentido, independentemente das posições de cada um dos candidatos em termos de política interna, é lamentável a reeleição de Obama. O dualismo próprio à política americana faz que os democratas protestem contra as ações armadas encetadas por governantes republicanos, mas apoiem as iniciadas por democratas. Os republicanos, devido à sua crença ainda mais aberta no "destino manifesto" dos EUA de dominar o mundo, sempre as apoiam, sem ver de onde partem.
Se Romney iniciasse outra das tristes guerras de agressão que têm sido a especialidade americana, talvez atacando o Irã tornado mais poderoso pela entrega americana do Iraque aos xiitas , poderíamos contar com os protestos da oposição democrata. Se Obama o fizer, só podemos contar com mais mortes.
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