| Foto: Gilberto Yamamoto

As sociedades cujo piso é a liberdade individual produzem, ao longo do exercício das possibilidades individuais, uma ampla variedade de modos de viver. A democracia, expressão coletiva da liberdade individual, é essencialmente centrífuga no sentido de que a partir do ponto que é comum a todos, qual seja o acordo constituinte da sociedade política, os indivíduos têm o poder de se afastar do ponto central e conduzir a vida da maneira que entendem mais adequada para si e para os que lhes são afins.

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O fulcro das sociedades democráticas é a garantia de que cada indivíduo possa realizar pacificamente o seu ideário de vida. Em outras palavras, é interesse público tudo que atine à expressão da diversidade, inclusive o compromisso individual, e dos grupos de identidade cultural, com a manutenção do funcionamento da sociedade multicultural.

A pluralidade apresenta situações de maioria e minoria em cada uma das expressões de crenças, sexualidade, expectativas de futuro. Todavia, ninguém é estaticamente maioria ou minoria em toda a amplitude de sua personalidade. As relações subjetivas perduram porque são móveis e cambiáveis, aliviando a tensão que as explodiria se fossem estáticas. Nas sociedades que impedem a expansão da individualidade e a consequente pluralidade, não há o sensível problema da relação entre maioria e minoria, pois a parcela menor, se não for destruída, é ejetada do cenário social e político.

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Porém, nas sociedades abertas, garantidoras da diversidade, é sempre tormentoso encontrar o ponto certo, com abrasividade mínima, nas relações entre maiorias e minorias. É difícil definir o equilíbrio adequado entre a livre expressão da individualidade (escolha religiosa, política, sexual) e o interesse coletivo de que haja funcionamento suficientemente estável das instituições públicas em atenção aos deveres conforme a conveniência e oportunidade da maioria. Penso que a tecnologia de convivência (normas de urbanidade e normas jurídicas) não alcançou desenvolvimento que permita resposta científica para o assunto, havendo, ainda, azo à arte.

O que soa intenso quando se tem investidura dos deveres públicos é a necessidade de fazer escolhas difíceis, mas absolutamente imperiosas. Quem opta por carreira pública coloca-se a serviço de toda a coletividade e parte do ônus pessoal dessa escolha é a diminuição das oportunidades para opor suas particularidades ao interesse e carências coletivas. Por exemplo, para bem servir ao público deve-se estar a postos todos os dias da semana, independentemente das ideias pessoais sobre quais dias são sacros ou profanos.

O espaço público exige postura convergente; no âmbito privado, toda divergência será apreciada. Para examinar a razoabilidade dessa prevalência do plural sobre o singular, basta raciocínio hipotético: mesário de eleição, em razão de ideário religioso ou existencial, não aceita trabalhar num dia ou numa determinada hora de qualquer dia, ou num mês, ou sob lua nova. A fragmentação produzida pela ausência de padrão geral de disponibilidade para servir ao público inviabilizaria a ação do Estado, tornando-o despiciendo.

A liberdade existe porque a coletividade a garante. Cooperar para o funcionamento das instituições coletivas é agir em benefício da própria liberdade.

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