Desde a infância, sempre me assusto um pouco quando o padre diz: "Corações ao alto!" Menino, eu imaginava milhares de corações subindo ao céu, como balões de aniversário. Até hoje, ao escutar a frase na missa, não consigo evitar a mesma imagem infantil, repleta de medo e esperança.
Lembro que numa festinha de aniversário resolvi fazer o teste: soltei o meu balão verde para que sumisse nas alturas. Ele foi ficando menor, menor, menor até se tornar um minúsculo ponto escuro e ser engolido pela imensidão azul. Eu não sabia, mas o desaparecimento do balão era o meu primeiro contato com a morte.
Pensei naquele balão perdido ao ver a notícia sobre Bernardo, o menino de 3 anos que morreu afogado na piscina de uma escola em São Paulo. Em entrevista, o pai de Bernardo disse: "Eu morri, assim, eu morri. Esse menino era um menino de ouro. Era inteligente, amoroso, carinhoso, nunca teve nenhum problema de saúde. Ele chamava a mãe de linda. Me dizia que queria ser como eu. Pra gente é o fim, é o fim. Não sei como vou continuar vivendo".
Li essas palavras lancinantes e mais uma vez vi as fotos de Bernardo, tão parecido com o menino que temos em casa. Senti meu coração ficar minúsculo, dei um abraço em meu filho e imaginei o coraçãozinho de Bernardo subindo ao céu.
Mauro Beting, filho do jornalista Joelmir Beting, disse em carta que o pai começou a ir para o céu quando o Palmeiras foi definitivamente rebaixado para o inferno da Segunda Divisão. Joelmir era um palmeirense tão fanático que trocou o jornalismo esportivo pelo econômico para poder amar livremente o seu time do coração. O filho de Joelmir encerra sua carta de despedida citando um dos maiores craques palmeirenses: "Joelmir José Beting foi encontrar o Pai da Bola Waldemar Fiume nesta quinta-feira, 0h55". O balão de Joelmir era verde e a sua morte também deixou o meu coração pequeno.
Nilson Monteiro era estudante de Jornalismo e presidente do DCE nos anos 70, quando José Richa foi prefeito de Londrina. Ambos tiveram muitos embates públicos por causa do transporte coletivo. Nilson, o líder estudantil, atuava como defensor intransigente do passe livre de ônibus para os universitários. Eram tempos de debates acalorados e agressivos; diversas vezes o líder estudantil e o prefeito brigaram publicamente.
Nilson é pequeno, mas tem um coração gigantesco. Nos anos 80, o jornalista e poeta passava férias em Camboriú quando viu um aglomerado de pessoas e um menino caído na calçada. O endereço ficou na memória: Avenida Atlântica, número 1.500. Nilson abriu caminho entre as pessoas. Pelas convulsões, deduziu que o garoto estava sofrendo um ataque de hipoglicemia.
"Me deem uma garrafa de Coca-Cola!"
"Mas o rapaz é diabético, você vai dar Coca-Cola pra ele?"
"Sei o que estou fazendo. Também sou diabético."
Assim que o garoto bebeu o refrigerante, as convulsões terminaram. Minutos depois, o pai do menino apareceu e veio conversar com o jornalista. Era José Richa, o ex-prefeito de Londrina.
"Obrigado, você salvou meu filho", disse Richa, emocionado. E deu um forte abraço no ex-desafeto político. Foram amigos até a morte de Richa, em dezembro de 2003.
Não sei por que me vieram à mente essas histórias. O que há em comum entre o balão verde perdido, o menino Bernardo, Joelmir Beting, Nilson Monteiro e José Richa? Talvez a imagem que me persegue desde a infância: Corações ao alto.
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