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Sempre que tenho um problema de saúde, ligo para o meu amigo Marco. Como ele é médico e escritor (bom médico e bom escritor), ganho um diagnóstico preciso e uma conversa agradável. Nesta semana, liguei para ele.

"Não estou me sentindo muito bem, Marco."

"É a coluna de novo, Briguet?"

"Não. Outra coisa."

"Então é o Palmeiras! Virose de segunda."

"Não, não é o Palmeiras. Já aprendi a suportar a dor do nosso time. Deve ser uma gripe forte."

"Dê um pulinho aqui no hospital. Eu peço para o nosso infectologista dar uma olhada em você."

Tomo um táxi e vou ao hospital. O infectologista faz o exame clínico e algumas perguntas. O médico vai atender outros pacientes. A enfermeira faz radiografias dos meus pulmões e da minha face. Depois vem com a seringa e retira um pouquinho do meu sangue. Diz que os exames devem ficar prontos em uma hora e meia; não posso sair do hospital até lá.

"Quer dizer que estou de castigo no hospital?"

"Isso mesmo. Regras são regras; não estou autorizada a deixá-lo sair", esclarece a enfermeira.

O infectologista foi atender pacientes na UTI; certamente são casos bem mais importantes que o meu. Marco, o amigo médico e escritor, teve de sair do hospital para dar consultas em sua clínica.

Que remédio? Sento-me numa poltrona da sala de observação e abro um livro: O Fio da Navalha, de W. Somerset Maugham. O autor era um médico que deixou a medicina para dedicar-se à literatura. Na passagem que leio, o protagonista do romance, Larry Darrell, diz ao interlocutor: "Quero respostas às minhas perguntas. Quero ter certeza da existência ou da não existência de Deus. Quero conhecer a origem do mal. Quero saber se tenho uma alma imortal ou se a morte põe fim a tudo". Grifo esse trecho.

O americano Larry passou por uma experiência traumática como aviador na Primeira Guerra Mundial: um amigo morreu para salvá-lo durante um ataque de aviões alemães. Foi, talvez, o acontecimento central em sua vida. Envolvo-me com a leitura; Maugham traça o perfil de um homem interessado em encontrar a verdade, a qualquer custo.

Educadamente, uma senhora se aproxima e diz: "Você é escritor, não? Passei o fim de semana lendo um livro seu!"

Levanto os olhos do livro e vejo uma mulher simpática e elegante, de lindos olhos claros. Cristina conta que leu o livro Amanhã escreverei à Joaninha, com as memórias de Jolinda Fenelon, uma das pessoas mais luminosas que conheci. Comprou-o em um sebo.

Conversamos um pouco sobre Três Lagoas, cidade onde nasceu a personagem principal do livro que publiquei em 2002. Digo a Cristina que minha avó Maria nasceu lá. Maria e Jolinda também tinham olhos claros.

Minha leitora veio ao hospital para acompanhar o marido, que se sentiu mal pela manhã. Ele é xará do meu filho: Pedro. Após conversarmos mais um pouco, Cristina se despede delicadamente e volta para o lado do marido, que aguarda atendimento no biombo vizinho.

Interino - O colunista Luís Fernando Veríssimo encontra-se hospitalizado e não publica coluna neste domingo.

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