Às vésperas de deixar o comando do Ministério da Saúde, Ricardo Barros (PP) anunciou uma parceria milionária envolvendo a pasta e o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), que é uma empresa pública do governo do Paraná. Barros é deputado federal da bancada do Paraná, e ficou licenciado do mandato entre maio de 2016, início da gestão Temer, até agora.
O acordo, tornado público na sexta-feira (23), transfere para o Tecpar e para a suíça Octapharma uma parte da responsabilidade pela produção de hemoderivados, depois comprada pelo Ministério da Saúde.
Até então, a fabricação e a distribuição dos medicamentos utilizados por brasileiros com alguma coagulopatia hereditária estavam concentradas na Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), com sede em Pernambuco.
A partir de agora, o governo federal informou que o Tecpar terá a função de “gerir o plasma colhido na região Centro-Sul e Sudeste do país, além do processamento inicial, logística e o controle de qualidade e envase do produto”.
Já a Hemobrás ficará com “o processamento efetivo, a gestão do plasma nas demais áreas do país, o fracionamento e, também, com o envase dos hemoderivados”.
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À Octapharma caberá “transferir a tecnologia às empresas públicas [Hemobrás e Tecpar] e garantir o investimento para a produção no país”.
Oficialmente, a nova parceria é chamada de “memorando de entendimentos para fracionamentos plasmáticos”. O documento foi assinado por representantes do Ministério da Saúde, da Hemobrás, do Tecpar e da Octapharma.
Ao todo, serão produzidos seis hemoderivados: albumina, imunoglobulina, fatores de coagulação VIII e IX plasmáticos, fator de von Willebrand e complexo protrombínico.
A produção é comprada pelo Ministério da Saúde, responsável por fornecer os remédios aos brasileiros que detém algum tipo de coagulopatia hereditária. A hemofilia A, a hemofilia B e a doença de von Willebrand são as três mais comuns.
Valores
Embora o governo federal não tenha divulgado estimativas de custo dos hemoderivados, medicamentos do tipo envolvem números milionários, daí o interesse de laboratórios estrangeiros em atuar no chamado “mercado de sangue” brasileiro, um dos maiores do mundo.
Na nova parceria, a Octapharma substitui uma gigante do setor, a francesa LFB. No acordo, a Octapharma se compromete a investir R$ 346,2 milhões na Hemobrás, para concluir a fábrica de fracionamento de plasma em Goiana (PE).
A Gazeta do Povo ligou para a sede da LFB no Rio de Janeiro, nesta semana, mas não houve retorno até o fechamento deste texto. Também procurada, a Hemobrás limitou-se a informar que “existem dificuldades na execução do contrato com o LFB que leva a Hemobrás a avaliar novas oportunidades”.
O Ministério da Saúde, a Hemobrás e o Tecpar não enviaram à reportagem a íntegra do memorando de entendimentos, embora a reportagem tenha feito tal solicitação na segunda-feira (26), na tentativa de obter detalhes sobre o acordo. O Tecpar foi o único a explicar as razões da negativa. De acordo com a empresa pública do governo do Paraná, o documento é classificado como confidencial (inciso VI do artigo 23 da Lei 12.527/2011, a Lei de Acesso à Informação).
Polêmica
Paralelamente ao acordo entre Ministério da Saúde/Hemobrás e Tecpar/Octapharma, uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) vigente entre a irlandesa Shire e a empresa pública de Pernambuco está no centro de uma polêmica desde meados do ano passado. A PDP envolve principalmente a produção de “fator VIII recombinante”.
Há duas formas de produzir o fator de coagulação VIII (utilizado por aqueles que têm hemofilia A), gerando dois medicamentos: o fator VIII plasmático e o fator VIII recombinante. O primeiro é produzido através do plasma, e a matéria-prima é o próprio sangue humano. O segundo é produzido através de uma engenharia genética, quando se utiliza o “sangue sintético”.
No recente memorando de entendimentos envolvendo Tecpar/Octapharma, o fator de coagulação VIII será produzido através do plasma. Apesar disso, a PDP entre Hemobrás e Shire permanece ameaçada.
Criada em 2004 com a função social de fornecer medicamentos hemoderivados ou produzidos por biotecnologia, a Hemobrás firmou a PDP com a Shire no final de 2012. Ao longo da vigência da PDP, até o ano de 2024, a Shire repassaria para a Hemobrás toda a tecnologia envolvida na produção do fator VIII recombinante.
Em meados de 2017, contudo, alegando atrasos na transferência de tecnologia, o Ministério da Saúde suspendeu a PDP, o que gerou contestações do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), do Ministério Público Federal (MPF) de Pernambuco, da Shire e também da própria Hemobrás.
A Shire e a Hemobrás reconhecem atrasos no processo de transferência tecnológica, mas argumentam que isso ocorreu devido a falhas nos repasses da União à estatal. Além disso, embora a Shire tenha feito uma proposta de reestruturação da PDP, prevendo investimentos na Hemobrás e perdão de juros de dívidas, a empresa estrangeira alega que o Ministério da Saúde está demorando para dar uma resposta.
Interesses
Para o MPTCU, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, tem interferido na questão da Hemobrás/Shire por interesses pessoais e eleitorais. O objetivo do paranaense seria incluir Tecpar/Octapharma também na produção do fator VIII recombinante, cada vez mais utilizado pelos pacientes, devido à qualidade do produto.
Hoje nas mãos de Beto Richa (PSDB), o governo do Paraná passa a ser comandado no próximo dia 7 por Cida Borghetti (PP), que é mulher de Barros e pré-candidata ao posto máximo do Executivo estadual nas urnas de outubro.
Na sexta-feira (23), ao assinar o memorando de entendimentos envolvendo Tecpar/Octapharma, Barros declarou que a diretoria da Hemobrás “está autorizada” a construir uma fábrica de fator VIII recombinante “com a Shire”. Mas, ao mesmo tempo, ele sinalizou que outras partes podem entrar na negociação. “Há outros parceiros tecnológicos dispostos a fazer parcerias no empreendimento”, indicou ele.
Barros já “limpou as gavetas” no Ministério da Saúde e, na terça-feira (27), entregou uma carta de agradecimento ao presidente Temer pelo período à frente da pasta. Apesar disso, o pepista só deve mesmo voltar para a Câmara dos Deputados depois da Páscoa, na semana que vem. Em seu lugar na pasta da Saúde deve entrar um nome também filiado ao PP.
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