O estudo que levou a Urbs a dizer ao vereador Bruno Pessuti (PSD) que a integração temporal no transporte coletivo de Curitiba acarretaria, inevitavelmente, um aumento de até 40 centavos na tarifa, tem apenas quatro páginas e não traz data ou assinatura algumas. Via Lei de Acesso à Informação, o Livre.jor pediu à Urbs “todos os estudos, conclusivos ou não, realizados pela empresa a respeito da possível adoção da tarifa temporal”. Recebeu esse documento (leia a íntegra ).
“Com raras exceções, Curitiba já tem sua rede constituída, logo a integração temporal vai apenas proporcionar, caso interesse aos usuários, uma outra opção de deslocamento, que hoje requer o pagamento da segunda tarifa”, diz o texto do documento. Noutro trecho, lê-se que a Urbs ainda vê necessidade de “levantar quantos usuários estão pagando a segunda tarifa para completar seus deslocamentos”. Ambos os argumentos parecem incompatíveis com a afirmação categórica de que a integração temporal irá onerar o preço da passagem.
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Além disso o estudo não traz qualquer indicação de que estudaram-se os efeitos que beneficiam o usuário. Em São Paulo, onde a integração temporal recebeu o nome de bilhete único, ela é aprovada por 81% dos usuários, e o uso do transporte coletivo aumentou. Um aplicativo permite aos usuários, dizendo onde está e aonde quer chegar, saber que ônibus (ou trens ou linhas de metrô) usar, e onde trocá-los pelo caminho --sem precisar dar longas voltas para chegar a terminais ou enfrentar lotadas estações-tubo.
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“O documento parece uma síntese, um relatório, e não um estudo. [A partir dele] Não é possível ter uma avaliação confiável dos efeitos que a integração temporal teria”, avalia o urbanista Carlos Hardt, coordenador da área estratégica de Cidades da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e vice-líder do grupo de Pesquisa, Planejamento e Design de Espaços Urbanos e Regionais do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana da instituição. A pedido da reportagem, ele avaliou o estudo.
Ainda assim, o especialista faz algumas observações sobre o documento. “Se a própria Urbs afirma que a integração temporal não terá grande influência na rede, o impacto dela na receita também tende a ser pequeno”, diz.
Hardt não acredita que a integração temporal seja capaz de reverter a perda de passageiros do outrora exemplar sistema de transporte público de Curitiba, que começou ainda nos anos 1990. “Ainda assim, a Urbs não deve e não pode deixar de estudar seriamente a medida, e não apenas como forma de dar uma satisfação a quem a demanda”, argumenta.
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Para o especialista, apenas a introdução de um novo modal de grande capacidade pode ser capaz de reverter a tendência de migração dos ônibus para os carros, motos ou aplicativos de transporte individual verificada atualmente. “Um dos efeitos que o metrô teria, por exemplo, seria elevar o status do transporte coletivo. Ainda temos, em parte da sociedade, a cultura de que o transporte público é para quem não tem dinheiro, o que é uma bobagem”, explica.
“Benefício é mais que óbvio”, diz Urbs
“Temos consciência de que de 8 a 10% dos passageiros têm dificuldades que a integração temporal poderia resolver. Mas isso não pode ser feito do dia para a noite”, diz o gestor de operação transporte coletivo da Urbs, Luiz Filla. O nó, por óbvio, é financeiro. “O benefício [da integração temporal] é mais do que óbvio. Mas temos que colocar quais as dificuldades. Gradativamente, Curitiba está fazendo isso.”
Ele cita como exemplo a linha Interbairros I, que passou a oferecer a possibilidade há alguns anos. Ainda assim, diz que a Urbs segue a pensar na construção de terminais e linhas troncais para fazer integrações e dar conta da demanda. “Quando a necessidade de passageiros é grande, é sempre preciso haver um terminal, um espaço de cobrança antecipada; o cartão não resolve”, justifica-se.
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É uma defesa de algo expresso no próprio estudo: a rede de transporte curitibana, projetada para funcionar de forma integrada, pode, em grande parte, prescindir de algo como o bilhete único. “É verdade”, diz Carlos Hardt. “Ainda assim, a integração temporal pode ser implementado de forma complementar.”
Há outra dificuldade no caminho: o uso do cartão para pagamento da tarifa, muito comum noutras cidades, ainda é relativamente baixo em Curitiba --é adotado por 60% dos usuários. “E 95% são beneficiários do vale-transporte”, diz Filla. Nesse caso, porém, cabe lembrar que a capital paranaense tem provavelmente um dos únicos sistemas em que usar o cartão não traz qualquer benefício ao passageiro, além de umas poucas linhas que já aceitam a integração temporal. Pior: para carregá-lo, é preciso ou ir à Urbs, ou pagar um real para fazer isso numa rede - ainda pequena - de bancas de jornais autorizadas.
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O gerente da Urbs admite o problema, mas diz que dar descontos na compra de créditos - ou universalizar a integração temporal - causaria déficit no caixa da empresa que administra o sistema de ônibus. “Hoje, como quem mais compra créditos são os empregadores que oferecem vale-transporte, eles seriam os beneficiados por um desconto. E, num primeiro momento, só haveria menos receita no sistema. Daí, ou cobra-se do usuário, ou a prefeitura paga. E universalizar o uso do cartão traz outras questões, como o que fazer com os cobradores de ônibus. É uma decisão com variáveis técnicas, políticas, sociais, econômicas”, avalia Filla.
É um argumento, porém, que não convence Hardt. “Dizer que os grandes beneficiados serão os empregadores é faccioso. O que importa, para a comunidade, é se o usuário do ônibus gasta mais ou menos e tem mais facilidade para usar o sistema. Mas um eventual benefício ao empregador não é negativo. E qual o público que a Urbs quer atingir, afinal? O que já existe, ou o que ainda usa carro para se locomover?”
Leia a íntegra do documento da Urbs
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