Paulo Montes Luz, que herdou a direção do DER após a prisão de Nelson Leal Jr.| Foto: Daniel Caron/Gazeta do Povo

O processo que resultou no aumento de tarifa de 25% para a Econorte, concessionária de rodovia no Norte do Paraná, levou dois anos para ser finalizado. Tem cerca de 1,1 mil páginas. Passou pelas mãos de pelo menos 15 funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), por técnicos da Agência Reguladora do Paraná (Agepar) e foi avalizado por consultores externos. Por esses e outros motivos, o DER rechaça as críticas e suspeitas levantadas pela Operação Integração, a 48ª fase da Lava Jato que mirou as empresas de pedágio do Paraná. “Incluir o DER na Lava Jato foi um equívoco. Se alguma coisa aconteceu de maquiagem contábil, é problema da Receita Federal com concessionárias”, afirmou o novo diretor-geral, Paulo Montes Luz, engenheiro de carreira, que assumiu o cargo em substituição a Nelson Leal Junior, um dos presos na ação policial deflagrada em 22 de fevereiro. Na sexta-feira (2), após a entrevista dele à Gazeta do Povo, a Lava Jato divulgou que o novo comandante do órgão também é investigado pelas irregularidades.

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Uma das principais críticas do DER é que a força-tarefa se baseou em custos da tabela do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil (Sinapi). Segundo o DER, o decreto federal nº 7983/13 desobriga o uso da tabela em obras de infraestrutura de transporte. Luz critica as conclusões divulgadas pela investigação e diz que “foi feita uma conta de boteco”. Ele ressalta que o DER precisa seguir os parâmetros contratuais firmados com as concessionárias de pedágio em 1997 e que, mesmo assim, em alguns casos de revisão tarifária, foram os usuários que se saíram beneficiados. Luz conversou com a reportagem na segunda-feira (26 de fevereiro), antes de a reportagem confirmar o interesse da União em retomar o controle das rodovias federais no Paraná e lançar, por conta própria, uma nova licitação para o pedágio. E também antes de a Lava Jato confirmar que ele era investigado pela Operação Integração. Estavam presentes integrantes do corpo técnico e jurídico, que auxiliaram Luz em alguns detalhes. Confira a entrevista:

Essa fase da Lava Jato mirou principalmente o contrato com a Econorte. Como foi o processo de revisão tarifária?

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Em 2012, o Tribunal de Contas da União determinou ao DER que fizesse termos aditivos dos contratos que estivessem desequilibrados. Como fazia muito tempo que não era feito o reequilíbrio do contrato, desde 2002, então isso levou praticamente dois anos, em uma negociação amigável. Se chegou a um valor que ficou bom para as duas partes. Havia 21 itens de desequilíbrio que foram considerados. Não é uma conta simples de fazer, tinha que se comprovar se os desequilíbrios eram válidos. Não adiantava fechar os olhos e chegar ao fim do contrato com um passivo a pagar. Houve todo um período do governo anterior que ficou sem reajustes e sem resolver problemas pontuais que, de repente, com correção de 1% resolveria na época. Então em 2014 foram concedidos três degraus tarifários para corrigir distorções.

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Mas não houve realização de audiências públicas, nem divulgação do acordo de maneira ampla. Houve falta de transparência? Um ano antes, a Econorte já tinha sido proibida pela Justiça de firmar “atos secretos”

A audiência não é uma obrigação para casos como esse, segundo a Lei de Licitações. Todos os termos foram publicados e encaminhados aos órgãos competentes. Em 11 de dezembro de 2014, ao Ministério dos Transportes. E em 5 de maio seguinte, depois de tudo digitalizado, ao TCU. O TCU já fez apresentações aos parlamentares em Brasília destacando a transparência com que o DER trabalha. E os documentos sempre foram protocolados, qualquer um poderia obter uma cópia. Além disso, foi devidamente publicado em Diário Oficial, em 28 de novembro de 2014. Anteriormente foi feito um termo de ajuste com a Econorte, para inclusão de obras novas, que também foi publicado. E todas as obras foram feitas. Ato secreto seria se a gente firmasse um contrato e a concessionária não tivesse obrigação de fazer. Ao fim de cada ano, as empresas fecham 100% do que estava previsto no cronograma de obras.

No transporte público, as próprias concessionárias admitem que, se a tarifa sobe demais, acaba afastando usuários e prejudicando o fluxo de caixa das empresas, que pedem novos aumentos na tarifa para reequilibrar. Como funciona nas rodovias?

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O contrato previu que o tráfego projetado é risco da concessionária. Houve perdas, com certeza, mas isso não vai para a tarifa. Se, por exemplo, por algum motivo diminuir muito o movimento da rodovia não pode requerer reequilíbrio por si só. O tráfego projetado gera uma receita projetada, e isso vai compor o equilíbrio do contrato. Mas tem que se considerar as isenções concedidas posteriormente, através de decisões judiciais. A Econorte tem hoje mais de 20 mil isenções na praça de Jacarezinho e esses valores são reequilibrados no contrato.

Qual seria um número de isenções razoável?

Acho que zero. Há um questionamento sobre a localização da praça, que gerou o pedido de isenção. Mas o fato é que isso acaba sendo pago pela coletividade. Criou-se uma mística de que é bom falar mal do pedágio. Quando é preciso buscar solução, fazem que nem fizeram em Jacarezinho. Essas 20 mil isenções temos que trazer para reequilibrar no contrato. Essa é uma dificuldade. Olha, tenho praticamente 37 anos de DER. Ninguém é louco aqui de fazer algo sem transparência e depois ser responsabilizado por isso. Na hora em que eu tiver condições de me aposentar, quero ir para casa e ficar tranquilo. Essa situação [da operação] gerou até uma comoção, atingiu 1.200 funcionários do DER, por causa de uma coisa que, até o momento, não há provas conhecidas.

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O DER repassou dados ao Ministério Público Federal (MPF)?

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Eu, que era diretor de Operações, e mais algumas pessoas, já estivemos no Ministério Público em novembro de 2016. Fiquei duas horas respondendo perguntas, não houve nada durante essa oitiva que indicasse reclamação deles. Agora, em 9 de fevereiro, a gente mandou um resumo de alterações contratuais. Aproveitei a oportunidade para convidar o promotor Diogo Castor para vir até aqui, porque responder por ofício fica muito impessoal. Para mostrar o cálculo, já que a planilha é bem complexa. Apesar de não saber que existia a Operação Integração, a gente nunca omitiu informações.

Mas a operação contou com apoio da Receita Federal, que também apontou irregularidades, como superfaturamento de despesas e contratação de laranjas

O DER não tem responsabilidade na contratação da concessionária com terceiros. Se a concessionária contrata um determinado serviço pagando menos, para o DER não interessa, importa que cumpriu os parâmetros. Isso não vai para a tarifa, nem se gasta a mais. O preço dos serviços das obras de melhoria são preços contratuais, que precisam ser respeitados. Se são muito altos, é um problema que vem da concessão, de 1997. E superfaturamento, se houve, foi lá atrás. Hoje não. Isso tudo que falo ajuda a esclarecer nossa indignação com a operação. Participei da maior parte desse processo com a Econorte [mostra as 1,1 mil páginas], a gente sabe da lisura das atitudes. Se houve um erro, quem não erra? Mas passou pela mão do DER, que encaminhou à Agepar. Foi para a Procuradoria-Geral do Estado, que verificou toda a parte legal. É algo muito sério. Não foi feito em 15 dias. Levou dois anos. O MPF diz que o Nelson Leal assumiu o reajuste da tarifa sem nenhum embasamento técnico. Você acha que esse processo aqui [de novo, mostra as 1,1 mil páginas] não tem embasamento técnico? Vale destacar a conclusão da FIA [Fundação Instituto de Administração]. Em um estudo preliminar ela apontava um desequilíbrio de 19% em favor do usuário. Mas as concessionárias incluíram os 21 itens de desequilíbrio. A FIA, ao final da revisão, convalidou os resultados.

Como órgão, o sr. defende a lisura de todo o processo, mas vê alguma brecha para um funcionário ter agido em conluio com as concessionárias, de má-fé?

Nesse caso acho que é muito difícil. Se fosse uma pessoa só mexendo no processo, haveria um perigo. Mas são 15 ou 16 pessoas nesse processo. A probabilidade é muito próxima de zero. Talvez uma vírgula, algum erro, mas nada que pudesse impactar significativamente. A diferença do -19% para 25% foi das perdas que concessionária teve. E dos 21 itens apresentados pelas empresas, teve coisa que DER não aceitou. Incluir o DER na Lava Jato foi um equívoco. Se alguma coisa aconteceu de maquiagem contábil, é problema da Receita Federal com concessionárias. Isso não diz respeito ao DER. Foi feita uma conta de boteco. Usar a tabela da Sinapi, que é de construção civil. Um decreto do governo federal, o 7.983/2013 exclui as obras rodoviárias. Espero que tudo seja esclarecido. Mas o que deixa mais chateado é que estão desconsiderando os 71 anos do DER.

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Há anos o Paraná passa por um ajuste fiscal, sem contratações. Como está o corpo técnico do DER?

O DER contratou consultorias específicas para dar apoio nas revisões. Há um gerente do DER para cada lote e cada consultoria faz a verificação de campo. Estamos fazendo 100% do que precisa. Mas está cada vez mais difícil e, opinião minha, se não houver mudança de posição dos próximos governantes, vai ficar cada vez mais difícil. Pedimos em 2016 a contratação de 50 engenheiros para repor aposentados. Mas a Secretaria de Fazenda falou que não, que o estado estava no limite prudencial. Pedimos ao menos 10 para apagar incêndios. Negaram de novo. Então pedimos pelo menos duas vagas para repor dois [que entraram em 2012], mas não conseguimos repor nem essas. O DER está com uma média de idade próxima de 58 anos. O conhecimento que esses engenheiros têm, ou tinham, está indo com eles. Essa é minha maior preocupação como diretor-geral. Alguns engenheiros foram contratados, mas não o suficiente. Agora o salário está melhor, mas não foi contratado mais ninguém. E temos apenas um contador.

Havia muitas críticas quanto à renovação da concessão, possibilidade que vinha sendo estudada, pelo menos pelas concessionárias. Como está isso?

Eu, como diretor de Operações por quase quatro anos, digo que em momento algum foi feito qualquer estudo para a prorrogação. O Ministério dos Transportes, em alguma reunião, comentou que queria renovar, mas falei que no Paraná não teria condições. Se você prorrogar o contrato por si só, todos os problemas encontrados vão permanecer. E se começar a mudar aqui, mudar ali e outra coisa, isso também seria questionado.

Mas então está se fazendo algo para realização de uma nova licitação?

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Se entrará outra licitação ou se o governo federal pedirá de volta as rodovias, isso não cabe ao DER decidir, cabe à presidência da República, e acredito que só no ano que vem, com novo presidente e novo governador.

Entidades como a Fiep pedem agilidade para uma nova licitação, de modo que o serviço seja prestado ininterruptamente ao fim dos contratos atuais

Ainda não tive oportunidade nem de conversar com nosso secretário sobre essas preocupações. Tão logo a gente consiga sanar as dúvidas que surgiram, vamos nos dedicar a isso. Ainda dependemos da questão da delegação do governo federal. Há uma previsão de prorrogação do convênio de delegação. Enquanto não for prorrogado, não pode iniciar um processo de nova licitação. Mas o pensamento interno do DER, da secretaria e do governo do estado é que está descartada uma prorrogação. Porque, se não, não teria como corrigir todos os efeitos maléficos do contrato.

O ideal então é uma pressão dos parlamentares para renovar delegação?

Sim. Mas pode ainda o governo federal decidir que a ANTT fará a licitação, repassando ao DER só a fiscalização. Ainda não houve renovação, todas ocorreram ao mesmo tempo ou depois. Paraná foi pioneiro em muitas coisas.

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