Produtores regionais de cerveja e refrigerantes pretendem lotar o auditório da Assembleia Legislativa do Paraná na próxima terça-feira (20), quando se dará mais um capítulo na batalha contra o que consideram benefícios fiscais injustos a grandes empresas do setor. Desde 2015 os fabricantes locais tentam sensibilizar o governo estadual para que eles também tenham redução nas alíquotas de imposto, mas sem sucesso. Agora, munidas de detalhes do acordo firmado pelo programa Paraná Competitivo e a Ambev, que faz parte do maior conglomerado de bebidas do mundo, as pequenas indústrias querem vencer esse round.
O assunto será debatido na audiência pública “Paraná Competitivo para quem?”, por iniciativa da Comissão de Defesa do Consumidor. A Secretaria da Fazenda foi convocada para dar explicações sobre o programa e as alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no setor de bebidas. Também estarão presentes a Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras) e a Associação das Microcervejarias do Paraná (Procerva). O encontro será às 9 horas.
A Afrebras está na liderança do movimento. Em janeiro, ela produziu um relatório para distribuir entre os deputados estaduais em que sustenta que o Paraná Competitivo cria concorrência desleal. “O mercado de bebidas já é altamente concentrado, em todo o Brasil. Mas o governo do Paraná agravou a situação já caótica no setor. Quem deveria proteger as pequenas empresas está praticamente varrendo elas do mercado paranaense”, diz o presidente da entidade, Fernando Rodrigues de Bairros.
OUTRO LADO: Governo e Ambev defendem investimentos no Paraná Competitivo
Em 2013, a gestão de Beto Richa (PSDB) havia reduzido o ICMS das microindústrias de bebidas, com o objetivo de ampliar a geração de emprego no setor. A alíquota dos produtos alcoólicos caiu de 29% para 12%, e o de refrigerantes, de 18% para 12%. Na época, o então secretário da Fazenda, Luiz Carlos Hauly, destacou a medida: “Dá força e consolida uma imensa classe média para enfrentar a concorrência de grandes empresas multinacionais e mesmo nacionais desses setores”.
Os decretos com os benefícios venceram em 2015 e, já sob a tutela de Mauro Ricardo Costa na Fazenda, não foram renovados. A Afrebras reclama de concorrência desleal porque multinacionais conseguem pagar menos imposto com o Paraná Competitivo, em troca de investimentos e ampliação de fábricas, mas não há programa semelhante para pequenas indústrias, que não têm o capital necessário ou mesmo o desejo de ampliar a planta. “Não é questão de ser contra ou a favor ao governador, mas o Poder Executivo precisa ser coerente. Um dos pilares do Paraná Competitivo é fomentar o desenvolvimento no estado, mas todo esse conceito está sendo jogado fora ao prejudicar os pequenos, ao mesmo tempo em que o estado, com os incentivos, subsidia os preços praticados pela Ambev”, opina Bairros.
Briga de bar
A Ambev é a maior fabricante de cerveja e refrigerante da América Latina e compõe a AB Inbev, gigante mundial no setor de bebidas. Os benefícios concedidos a ela sempre foram questionados pelos fabricantes regionais. No relatório encaminhado aos deputados, a Afrebras sustentou que os incentivos fiscais que ela receberá no período de 2012 e 2020 seriam equivalentes a R$ 835 milhões.
Esse número, porém, está sendo revisto. Uma briga judicial relacionada ao imóvel onde está localizado o Bar Brahma, em Curitiba, revelou detalhes antes sigilosos dos benefícios fiscais concedidos à Ambev dentro do programa Paraná Competitivo. “Enquanto os fabricantes paranaenses estavam discutindo sua possibilidade de sobrevivência, o Palácio Iguaçu fez um novo aditivo reduzindo ainda mais a carga tributária para a Ambev. A gente é do setor, sabe fazer conta, então dá para multiplicar por dois a renúncia de R$ 834 milhões, num valor por baixo, mas ainda são dados preliminares”, afirma o presidente da Afrebras.
Um dos aditivos com a Ambev prevê o repasse do imóvel da antiga fábrica da Brahma em Curitiba ao governo do Paraná, em valor correspondente a R$ 104 milhões. Para isso, é preciso desalojar o Bar Brahma, estabelecimento inaugurado em 1999 por meio de uma parceria comercial com a empresa Banana Brazil, representada pelo empresário João Guilherme Leprevost.
O Bar Brahma recebeu uma notificação para deixar o imóvel em abril de 2017, sem atendê-la. Deu-se início então a um litígio judicial. A Ambev entrou com ação de despejo, contestado pela Banana Brazil, que juntou ao processo os contratos firmados ao longo dos anos, entre os quais um que atesta que a parceria vale até 2027.
ANÁLISE: Programa premiado, Paraná Competitivo não foi decisivo na geração de empregos
Segundo a advogada Marina Macedo, a relação entre as partes é atípica e complexa. “O contrato mãe, de 1999, fala em formatação do projeto Bar Brahma. Não é franquia ou representação, mas uma união de esforços para formatar um novo espaço de entretenimento. Em 2007 houve a celebração de mais um termo aditivo entre Banana e Ambev, prorrogando o uso até 2027. Até que recebeu a notificação exigindo o imóvel, de forma surpreendente. Foi motivo de surpresa porque em nenhum momento a empresa relatou insatisfação com o serviço, muito pelo contrário”, relata.
No processo, a defesa da Banana Brazil sustenta que a ação de despejo é uma tentativa de rescindir o contrato comercial, e que a motivação é o acordo com o governo do Paraná. Para tanto, cita trechos de uma sustentação oral feita pela defesa da Ambev, em que se afirma que a empresa precisa do imóvel para cumprir o acordo com o governo do Paraná. “O que é nítido é a ausência de planejamento da Ambev. Ela que causou essa relação conflituosa, ela que tem que resolver”, diz Marina.
A Ambev alega que em 2008 foi assinado um novo contrato, um Instrumento Particular de Licenciamento, Comercialização e Merchandising, com vencimento em 2013 e que revoga “todas e quaisquer avenças anteriormente celebradas”. A Banana Brazil, por sua vez, argumenta que esse documento se restringe a alguns acertos e que ele é apenas mais uma peça da complexa relação contratual.
Como o estado do Paraná é parte no processo – a intenção é repassar o imóvel à prefeitura de Curitiba –, o processo tramita em uma Vara de Fazenda Pública, com prazos alongados, e ainda não há uma definição. A Ambev, via assessoria de imprensa, afirmou que a intenção de transmitir o terreno para o governo foi divulgada já em 2013. “O proprietário do Bar Brahma de Curitiba, parceiro de muitos anos da companhia, também foi comunicado com antecedência sobre a concessão do terreno para que pudesse programar sua mudança sem qualquer transtorno. Todas as medidas tomadas estão em consonância com a legislação vigente e com o devido processo legal”, informou, em nota.
Veto derrubado na Assembleia
Também corre no Judiciário um processo de importância crucial para o setor de bebidas, que poderia equilibrar o mercado entre grandes e pequenos. O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) está analisando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pelo governo estadual contra trecho da Lei n.º 18.879/16 que beneficiava produtores regionais. O projeto de lei que o originou, parte de um pacote de ajustes fiscais do governador Beto Richa (PSDB), recebeu emendas de deputados para reduzir para 12% a alíquota das bebidas, além de instituir como base de cálculo o crédito presumido, em vez da substituição tributária.
Richa vetou o dispositivo, com o argumento de que a Assembleia não poderia conceder benefício que resultasse em renúncia fiscal, além de a medida não ter sido aprovada previamente no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Os deputados, por sua vez, derrubaram o veto, atendendo à reivindicação das fábricas paranaenses.
A Procuradoria-Geral do Estado, então, ingressou com a ADI no TJ. O Órgão Especial concedeu a liminar em março de 2017 e voltou a apreciar o tema em fevereiro de 2018. O desembargador Paulo Roberto Vasconcelos fez pedido de vista, propondo converter o julgamento em diligência, para que o governo do estado se manifeste a respeito de petição apresentada pela Afrebras, indicando que o governo concedeu a grandes empresas os mesmos benefícios que tenta declarar como inconstitucionais. O Órgão Especial concordou e agora o governo estadual tem até o fim de março para se manifestar. Em despacho, porém, o relator Kfouri Neto pontuou que a “existência ou não de tratamento anti-isonômico em nada interfere na apreciação da demanda”. Segundo ele, uma “eventual injustiça” não deve impactar na análise da ADI.
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Para a Afrebras, a atitude do governador não corresponde com “a vontade da população”, representada pelos deputados estaduais. “Ao derrubar o veto de Richa, a Alep continuava concordando com nossos argumentos. Virou lei. Mas nossa alegria durou pouco, com a ADI questionando a constitucionalidade do ato. Fomos à Casa do Povo, único lugar que poderíamos ter ido. É uma situação de ganha mas não leva”, conta Bairros, demonstrando indignação com o fato de os benefícios fiscais para a Ambev também não terem sido aprovados pelo Confaz.
O Sindicato da Cerveja, Vinho, Água e Bebidas em geral do Paraná (Sindibebidas) não está participando da mobilização atual, mas também milita por mudanças tributárias para os fabricantes regionais. Segundo o presidente da entidade, Fulgêncio Torres Viruel, além da alíquota alta, a substituição tributária é muito maléfica para os pequenos. “Isso causa um problema enorme para as empresas pequenas, que não têm muito capital, pois precisam recolher imposto à vista e, obviamente, o consumidor não paga tudo à vista. Embarque para outro estado tem que pagar antes de embarcar, e normalmente as vendas são faturadas em no mínimo 28 dias”, diz.
Viruel argumenta que os pequenos não querem nenhum favor, apenas condições equânimes para trabalhar. “Queremos um ambiente econômico sadio. Estamos fazendo uma guerra fiscal ao contrário, contra as empresas do Paraná. Pelo menos no caso da cerveja e da cachaça é assim”, diz ele, que também é diretor do alambique Porto Morretes.
Pressão de deputados
Para o deputado estadual Requião Filho (PMDB), apesar de ter aprovado a lei e derrubado o veto do governador, a Assembleia não fez sua parte para defender os pequenos produtores. “Fazer uma lei para baixar o ICMS está longe de cumprir com sua parte. Os programas que concedem benefícios bilionários a multinacionais são guardados a sete chaves, como segredos do rei. Enquanto isso há uma gama enorme de produtores paranaenses que geram emprego e renda no estado e que não ganham benefícios”, critica. Segundo ele, a base do governo no Legislativo ajuda a “encobrir um esquema muito mal explicado”. Requião Filho diz que a audiência pública da próxima terça-feira vai explorar os detalhes do contrato com a Ambev. “Em época de Lava Jato, sempre que sabemos que uma grande empresa foi beneficiada, ficamos de orelha em pé”, acrescenta.
OPINIÃO DA AFREBRAS: Isonomia ou privilégio - o que faz um Paraná mais competitivo?
A oposição tem tentado saber detalhes de convênios com outras empresas beneficiadas pelo Paraná Competitivo. Mas a base aliada tem barrado vários pedidos. Uma solicitação que foi aprovada e respondida pela Secretaria da Fazenda mostrou que oito empresas se beneficiariam de desconto para adiantar pagamento de ICMS, sem identificar quais eram. “A empresa n.º 8 pagou R$ 1 bilhão ao governo na forma de antecipação do ICMS, mas essas dívidas, segundo a nossa assessoria e o escritório de direito tributário, se fossem quitadas no prazo normal, seriam superiores a R$ 2,5 bilhões. Isso quer dizer que, para receber R$ 1 bilhão, o governo do estado perdoou dessa empresa R$ 1,5 bilhão”, disse o líder da oposição, Anibelli Neto (PMDB), em audiência pública de prestação de contas em 5 de março.
Anibelli citou jurisprudência de tribunais superiores, que não indica necessidade de sigilo nesses casos, e protocolou pedido para saber quais eram as empresas. A base aliada derrubou o pedido, mas agora a oposição está decidida a obter os dados via a Justiça.
Governo e Ambev defendem investimentos no Paraná Competitivo
O secretário da Fazenda, Mauro Ricardo Costa, em entrevista à Gazeta do Povo, ressaltou a importância dos investimentos feitos pelas empresas participantes do Paraná Competitivo. “Se não conceder benefício fiscal a grandes produtores, logicamente não teriam feito grandes investimentos no Paraná. O estado fez um grande negócio em apoiar a instalação da Ambev, que fez investimentos de quase R$ 900 milhões no Paraná. E, após 2020, quando cessar o benefício, a arrecadação será maior ainda”, afirmou.
Segundo Costa, o benefício da cervejaria está restrito ao ICMS adicional gerado, não conta sobre o que já vinha sendo pago na fábrica em Curitiba. “Isso vai gerar R$ 600 milhões a mais”, avalia. Ele ainda ponderou que a planta da capital estava defasada, e a empresa teria opção de produzir em outros estados, também com benefício fiscal.
Outro ponto destacado por Costa é que, a partir de janeiro de 2018, microempresas (com receita bruta anual de até R$ 360 mil) que vendem direto ao consumidor final pagam alíquota de 3,75%; e de 24% se vendem a intermediário. “Acho que os microempresários estão muito bem atendidos. Grande parte deles vende direto ao consumidor e pagará 3,75%. A expectativa é que haja redução de preço para que o consumidor seja beneficiado”, opina.
O secretário afirmou ainda que os termos do Paraná Competitivo são publicados em Diário Oficial, em referência a súmulas com resumo dos acordos. Quanto aos pedidos de informações feitos por deputados, ele diz que podem ser respondidos, desde que a demanda chegue até o Poder Executivo.
Em nota à reportagem, a Ambev afirmou que o número de vagas no Paraná aumentou 12,2% desde 2012, chegando a 1.417 vagas em 2017, e que toda a cadeia produtiva da cervejaria gera cerca de 59 mil empregos diretos, indiretos e induzidos no estado. A Ambev também informou que o volume de impostos pagos ao estado do Paraná aumentou 36,8% nos últimos cinco anos, somando R$ 878,4 milhões em 2017. Nos últimos cinco anos, o valor soma R$ 3,7 bilhões, diz a empresa.
“As políticas de incentivo fiscal, concedidas a empresas de todos os tamanhos, contribuem diretamente para a criação de empregos, o fomento à inovação, à industrialização, e uma série de outros impactos positivos na sociedade”, acrescenta a nota.
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