A Sanepar será uma das maiores beneficiadas pelo decreto assinado pelo presidente Michel Temer (PMDB) no último dia 21 de outubro que confere descontos de até 60% no pagamento de multas ambientais aplicadas por órgãos federais. A empresa paranaense está entre as mais autuadas por crimes contra o meio ambiente no Brasil. Após contestar na Justiça diversas autuações por crimes ambientais - todas ainda sem decisão final -, a companhia assinou o protocolo de intenção para saldar as dívidas e reparar os estragos que causou.
A Sanepar tem um histórico bastante extenso de multas ambientais. Boa parte das infrações está ligada ao despejo de esgoto sem tratamento – ou fora dos padrões mínimos – em rios e córregos. Apesar de estar acostumada a multar autores de ligações ilegais na rede pública de esgoto, a companhia não tem o hábito de quitar as dívidas das autuações que recebe dos órgãos ambientais. Para o Ibama, o maior credor nesta área, a empresa deve R$ 303 milhões. A multa mais emblemática é decorrente da Operação Água Grande, deflagrada pela Polícia Federal em 2012, que apurou casos de poluição no Rio Iguaçu. Em 2013, o Ibama multou a empresa paranaense em mais de R$ 49 milhões, valor que nunca foi pago.
Diante de tantos processos, a Sanepar opta por empurrar o problema com a barriga disputando judicialmente todas as punições ambientais que sofreu. A estratégia deu resultado, porque até agora, segundo a própria companhia, nenhuma ação chegou na fase de sentença final.
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Um documento interno da empresa contém o resumo dos processos mais importantes. Ele traz o valor das indenizações que deverão ser pagas em caso de derrota judicial, probabilidade do resultado e avalia a condição da empresa em arcar com os custos. De acordo com o relatório, em 31 de dezembro de 2016, a Sanepar figurava como réu em diversos processos administrativos e judiciais de natureza ambiental e, conforme avaliado pelos advogados internos e externos, foi provisionado o valor de R$ 113,2 milhões para contingências prováveis. Um detalhe chama a atenção. Caso a empresa opte pelo novo modelo de compensação que confere desconto de 60%, o valor das pendências com o Ibama será de R$ 121,2 milhões.
Entre as ações relacionadas a crimes ambientais está um processo instaurado na 11ª Vara Federal de Curitiba no dia 13 de agosto de 2016. Na ação, avaliada em R$ 40 milhões, o Ibama pede valores referentes a multas ambientais aplicadas pela operação de 89 estações de tratamento de esgoto que não possuem licença ambiental. Na avaliação dos advogados da Sanepar, a chance de perda é provável. Enquanto que na análise do impacto financeiro “a companhia suporta o valor da condenação”.
Esta é a mesma avaliação para um processo que tramita na 2ª Vara da Fazenda Púbica de Maringá desde 2015, pelo despejo de efluentes líquidos tratados fora dos parâmetros estabelecidos pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e portarias do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) na Estação de Tratamento de Esgoto Mandacaru. O valor estipulado no processo é de pouco mais de R$ 21 milhões. Assim como estes, existem outros propostos por entidades ambientais, Ministério Público e municípios que seguem a mesma linha.
Ao questionamento feito pela Gazeta do Povo se houve mudanças em procedimentos e práticas para evitar a repetição de autuações ambientais, a Sanepar respondeu por meio de nota que “entende que é uma empresa ambiental, vocacionada ao saneamento. Por isso, deve sempre priorizar processos de melhoria contínua. Atualmente, todo seu planejamento considera as questões ambientais. Dentro de um novo patamar de governança corporativa, em 2016, o Estatuto da Companhia foi revisado e incorporou diversas melhorias, incluindo evoluções de compliance ambiental. Outro avanço foi a implementação, também em 2016, do Sistema de Gestão de Riscos Ambientais, com base na ISO 31.000, para identificar, classificar e tratar os riscos ambientais potenciais”.
Além das multas federais, as estaduais
No passivo ambiental da Sanepar constam ainda uma série de autuações feitas pelo IAP. O órgão não soube precisar os valores. Em nota, afirmou que é possível dividir os autos lavrados em dois períodos, antes e depois de 2008. Isso porque até aquele ano era permitida a conversão de 90% da multa em prestação de serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente. “Todos os autos de infração lavrados na época já foram quitados por meio de pagamento parcelado ao Fundo Estadual do Meio Ambiente ou da conversão de seu pagamento em projetos de recuperação e preservação do meio ambiente, como criação de parques, por exemplo”, explicou o IAP.
De acordo com o Instituto, após 2008, quando houve uma alteração no decreto de fiscalização, foram lavrados 84 autos contra Sanepar, sendo que três já foram finalizados por meio de conversão de multa e 28 quitados em pagamento. “O valor total desses autos não é exato porque muitas multas aguardam o julgamento e verificação de reincidência para definição de valor”, afirma o IAP.
Há ainda uma pilha de ações resultantes de multas aplicadas em diversos municípios, por secretarias municipais, também contestadas judicialmente. Vale ressaltar que para estes passivos – lavrados por órgãos estaduais e municipais – a companhia não conta com os descontos estabelecidos pelo novo decreto, que só vale para multas federais. Para que o benefício seja aplicado localmente, é preciso de regulamentação. Este é o entendimento do Ibama.
Prestação de serviços
O orçamento do Ministério do Meio Ambiente para ações ambientais é baixo. São apenas R$ 600 milhões ao ano. Boa parte deste fundo deveria vir das multas aplicadas por agressões ao meio ambiente. O problema é que somente 5% dos R$ 3 bilhões em autuações realizadas ao ano são pagos. “O que ocorre hoje é que, com o baixo pagamento, o autuado sabe que pode ficar no processo administrativo, apresentando muitos recursos, judicializando. Isso estimula novas infrações. Nós queremos reverter esse quadro do pouco pagamento das multas”, argumenta a presidente do Ibama, Suely Araújo.
A expectativa do governo é que o decreto 9.179/17 seja capaz de levantar R$ 4,6 bilhões para serem convertidos em serviços ambientais. “É importante ressaltar que a conversão não implica em anistia de multas, já que a obrigação de pagar é substituída pela prestação de serviços ambientais. Tampouco significa renúncia fiscal”, assegurou o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho.
Ajustando as contas
Para especialistas, a desinformação é um dos maiores problemas para entender a questão. “A conversão de multas em serviços de preservação do meio ambiente não foi criada pelo Decreto 9.179. Já era prevista pela Lei 9.605 de 1998 (Lei de Crimes Ambientais) e regulamentada 10 anos mais tarde”, explica Marcelo Leoni Schmid, advogado e engenheiro florestal. Mas até a edição do novo decreto, ainda havia muita insegurança jurídica. As empresas preferiam recorrer quanto autuadas e se beneficiar da demora dos processos do que arriscar a assumir o compromisso de prestação de serviços ambientais que poderia sair mais caro do que a própria multa. Um ponto importante, e que gera bastante confusão: a multa não isenta o infrator de reparar o dano causado, são duas obrigações diferentes e ele deve cumprir com ambas. “Não poderá o infrator utilizar o benefício da conversão de multa para reparação de danos decorrentes das próprias infrações”, ressalta Rodrigo de Almeida, biólogo e sócio-diretor Grupo Index, que realiza projetos e consultoria ambiental.
O decreto disponibiliza duas modalidades para sanar o passivo. Na conversão direta, as empresas que cometeram crimes ambientais ou estão inadimplentes terão 35% de desconto no total da multa ao se comprometerem a investir o valor em recuperação ambiental. Já na conversão indireta, o infrator recebe desconto de 60% do valor total da multa, que se torna uma cota para realização de um projeto de recuperação prioritário. Até então este dinheiro ficava no fundo geral, o que dificultava o acompanhamento da aplicação do montante.
Para conferir mais transparência, cada projeto tem a participação de uma comissão mista formada pelo poder público e sociedade civil. O débito só será considerado encerrado quando os serviços ambientais forem concluídos. Até o final deste ano, deve ser publicado o primeiro edital, que prevê investimentos na bacia do Rio São Francisco e do Rio Taquari, no Pantanal.