O governo do Paraná anunciou, na semana passada, que pretende dobrar o número de tornozeleiras eletrônicas para o monitoramento de presos. Com isso, o estado – que já lidera o ranking nacional de monitoramento eletrônico – passará a ter a possibilidade de manter até 12 mil detentos rastreados por meio deste dispositivo.
Considerada polêmica, a medida divide opiniões. Para o Ministério Público do Paraná (MP-PR), as tornozeleiras vêm sendo adotadas no estado de forma distorcida, com vigilância frouxa e, principalmente, como forma de substituir regime semiaberto. Já o Judiciário vê avanços e o governo diz que a tendência é substituição do semiaberto.
“Sistema penal paralelo”
Dos 5.875 presos monitorados hoje por tornozeleiras eletrônicas no Paraná, 4,3 mil (73,2%) provêm do semiaberto. O número corresponde a mais que o dobro das 2 mil vagas disponibilizadas pelo governo em colônias penais e unidades de cumprimento de pena neste regime. O promotor André Pasternak Glitz, do Centro de Apoio das Promotorias, aponta que isso é um dos elementos que evidenciam que a tornozeleira se tornou um sistema penal paralelo.
“O governo se vale da falta de vagas. Cria uma demanda ou propositalmente ou por omissão, para justificar o uso das tornozeleiras. Acaba que a tornozeleira virou uma modalidade de cumprimento de execução pena. Está substituindo o [regime] semiaberto. Tanto que quando o preso comete uma falta e, como pena, regride de regime, ele regride ao semiaberto”, disse Glitz.
Entre os argumentos usados para justificar a adoção das tornozeleiras está o viés econômico. Pelo contrato de comodato, a governo do Paraná paga R$ 241 por mês por cada aparelho usado, enquanto o custo médio de um preso do regime fechado gira em torno de R$ 3 mil. Se o estado fizer uso das 12 mil tornozeleiras por mês, terá gastado R$ 34 milhões em um ano, com o monitoramento eletrônico de presos.
“Será que o governo não poderia construir uma ou duas unidades do [regime] semiaberto com esse dinheiro?”, questiona o promotor. “Não somos contra as tornozeleiras. Elas são um importante instrumento alternativo, mas estão sendo usadas de forma irracional e indiscriminada no estado”, completou.
Escolha sem análise de perfil
O MP-PR avalia falhas no identificação do “perfil” do preso que pode ser ressocializado por meio da tornozeleira eletrônica. Além disso, o promotor destaca que todas as violações – classificadas de acordo com três níveis – precisam ser comunicadas pelo Departamento Penitenciário do Estado (Depen) ao Judiciário, mas apenas as ocorrências de “nível 3” – as mais graves, como violação do aparelho ou fim de bateria – são efetivamente notificadas.
“Hoje, não se sabe quais presos são ressocializáveis, quais podem ser soltos. Não existe esse estudo, essa classificação. O que ocorre é que se está concedendo tornozeleiras em larga escala para presos que não têm o perfil pra isso”, avaliou Glitz.
Paralelamente, o Paraná continua como o estado com o maior número de presos mantidos em delegacias: mais de 9 mil.
Apesar da superlotação crônica, apenas 14% das tornozeleiras usadas hoje no Paraná estão com presos provisórios – aqueles que ainda não foram julgados e mantidos em distritos policiais. “Continuamos com a maior população carcerária do país e a tecnologia [tornozeleira] não foi capaz de resolver isso”, diz o promotor.
Reincidência entre monitorados por tornozeleiras é de 5%, diz juiz
O juiz Eduardo Lino Bueno Fagundes Júnior discorda da análise do MP-PR e classifica as tornozeleiras eletrônicas como uma alternativa importante à ressocialização dos presos. Como argumento, ele menciona o índice de reincidência dos presos monitorados eletronicamente que é de apenas 5%, enquanto a média de reincidência geral gira entre 75% e 80% – de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
“Um dispositivo que gera apenas 5% de reincidência e ainda recebe críticas? ”, questionou Fagundes Júnior, que é coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Penitenciário (GMF), do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR). “É indiscutível que, ante o baixo índice de reincidência, o sistema monitoramento tem qualidades. Maxime quando há o acompanhamento pelo escritório social”, completou.
O magistrado não vê como negativo o fato de as tornozeleiras serem usadas em substituição ao regime semiaberto. Para ele, os dispositivos têm provocado resultados mais satisfatórios do que “o sistema penitenciário que está com a estrutura falida”.
“Por anos, nós tivemos presos condenados cumprindo pena em delegacias, que ficavam aguardando vagas por ano a fio na Colônia Penal. As tornozeleiras corrigiram essa distorção, mas as pessoas se esquecem disso”, afirma. “Os presos monitorados eletronicamente têm resultados de ressocialização muito melhores do os da Colônia Penal, por exemplo.”
Fagundes confirma que apenas as notificações graves são comunicadas pelo Depen ao Judiciário, por dois motivos: primeiramente, porque as violações não decorrem, em regra, de má fé dos presos; e, em segundo lugar, porque não haveria vagas no sistema penitenciário para efetuar a regressão de regime.
“Seriam 260 notificações por dia. Se você for levar a ferro e fogo, teria que comunicar todas, fazer a prisão e avisar o Judiciário. Isso não se mostrou viável do ponto de vista da realidade. Não tem vaga [nas penitenciárias] e, no frigir dos ovos, não tem sentido. Não se pode partir do pressuposto que todo mundo que sai vai cometer um crime. Não se pode pegar a exceção pela regra”, afirma o juiz.
Sesp diz que tendência é mesmo substituir o semiaberto
Em nota enviada à Gazeta do Povo, a Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária (Sesp) confirma que o uso de tornozeleira como um substituto para o regime semiaberto é tendência no estado e destaca o custo-benefício deste tipo de monitoramento.
“A Sesp acredita que o preso que cumpre regime semiaberto, saindo pela manhã e retornando para dormir na unidade prisional, pode ser cooptado pelo crime organizado sendo forçado, por força de ameaça, a levar, por exemplo, armas e drogas para a unidade. Com a tornozeleira, este preso passa a ser 24 horas monitorado pelos agentes penitenciários do Depen [Departamento Penitenciário]”, diz a nota.
Segundo a secretaria, qualquer violação do equipamento é comunicada ao Poder Judiciário e as polícias Civil e Militar “trabalham imediatamente” para a volta do condenado ao sistema prisional. A Sesp também destaca que fez quatro edições da “Operação GPS” nos últimos dois anos, com a prisão de mais de 100 monitorados por uso indevido da tornozeleira.
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