Minutos depois do segundo pronunciamento que fez sobre a crise que atinge seu governo, Michel Temer reafirmou ontem ao jornal O Estado de S. Paulo sua recusa em renunciar à Presidência, se disse vítima de “armação”, negou que tenha participado de um plano para comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha e disse estranhar que a delação da JBS, que o atingiu, tenha sido selada “no momento em que a economia começa a se recuperar”.
“Fui vítima de bandidos que saquearam o país nos governos passados e não obtiveram acesso ao nosso. E negociaram um acordo pelo qual querem sair impunes”, afirmou o presidente na entrevista, por telefone.
Na conversa, Temer tenta jogar toda a responsabilidade por um dos pontos mais graves da delação da JBS para o deputado paranaense Rodrigo Rocha Loures, um de seus principais assessores desde a época da vice-presidência. Segundo ele, o paranaense “deve ter sido seduzido” pela promessa de R$ 500 mil mensais ao longo de 20 anos.
Rocha Loures foi filmado recebendo o que seria a primeira mala mensal de dinheiro. A pasta estava chipada e as notas eram rastreadas pela Lava Jato. Segundo a delação da JBS, porém, Rocha Loures era um mero “intermediário” e a propina teria sido combinada com o próprio Temer.
Questionado se tomou conhecimento, em algum momento, da negociação de recursos por Rocha Loures, ou se autorizou a transação, o presidente negou.
Afirmou que o suborno ao deputado foi negociado pela obtenção de um acordo no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que foi negado. “O Cade resolveu? Não resolveu! Ele estava desesperado porque a Maria Silvia (presidente do BNDES) saneou o BNDES, ele teve de mudar a operação da empresa para outro país porque fechamos a torneira do BNDES”, afirmou.
O presidente disse estar convencido da capacidade de rearticulação política do governo e deu sua versão para o encontro que teve com Joesley Batista, da JBS, em março - que foi gravado e entregue ao Ministério Público Federal, o que desencadeou a delação do grupo. “Esse sujeito me ligou seguidamente, ao longo de vários dias, me pedindo para ser recebido”, afirmou o presidente.
Segundo ele, a segurança da Presidência vive repreendendo-o por “atender o celular”. “Eu tenho o hábito, que a segurança do Planalto vive reclamando, de atender o celular, responder mensagem. É um mau hábito pela liturgia do cargo, mas que eu adquiri da experiência parlamentar”, disse.
Temer diz que depois de muita insistência por parte de Joesley, ele concordou em recebê-lo no Palácio do Jaburu. Questionado sobre o horário tardio da conversa, Temer disse que a razão foi o fato de que, anteriormente, ele compareceu à festa de aniversário da carreira do jornalista Ricardo Noblat. “Disse a ele: estou na festa do Noblat. Se quiser, passa mais tarde no Jaburu. E ele concordou.”
Temer afirmou que já conhecia Joesley, e que tem o costume de receber empresários para conversas. “Já recebi dezenas de empresários. Em São Paulo, no Jaburu, no Planalto. Muitas dessas reuniões acontecem fora da agenda”, disse o peemedebista.
Questionado sobre os assuntos tratados na reunião, dentre eles a confissão de crimes como o suborno a um procurador e supostamente a dois juízes, Temer disse ter atribuído o teor da conversa ao fato de Joesley ser alguém acuado por investigações e contrariado por não obter acesso que tinha antes a altas autoridades do governo. “Logo de cara, vi que ele era um falastrão”, afirmou.
Ele afirmou ter achado “estranho” o teor da conversa, mas que não levou a sério as afirmações. “Mas você veja que comecei a ser cada vez mais monossilábico, quando a conversa dele começou a enveredar para o pedido de que precisaria ter acesso a esse ou aquele setor do governo.”
Temer afirmou que a divulgação do áudio da conversa demonstra que ele não deu aval à compra do silêncio de Cunha, conforme se divulgou inicialmente. “Veja que ele diz que está mantendo uma boa relação com ele (Cunha), e incentivo que deveria manter, apenas isso.”
Sobre o eventual interesse em evitar uma delação de Cunha, Temer evoca o fato de o ex-aliado tê-lo arrolado como testemunha: “Que silêncio do Cunha eu poderia comprar? Se ele me mandou 21 perguntas num processo e 17 em outro, todas claramente tentativas de me incriminar, e o próprio juiz Sérgio Moro tratou de indeferir?”.
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