O celular toca, a pulseira vibra. Pisca uma luz – pode ser verde, vermelha ou azul, a depender do assunto. Chegou uma mensagem de texto? A pulseira avisa. Com essas funções básicas, a Lepee – este é o seu nome– tem potencial para provocar uma minirrevolução na relação das pessoas surdas com a tecnologia. Desenvolvido na Universidade Tecnológica Federal do Paraná, o aparelho ainda é um protótipo.
A pulseira pode se conectar a qualquer aparelho com sistema operacional Android, por meio da tecnologia bluetooth. Com a ajuda de um aplicativo instalado no celular, é possível configurar quais notificações vão aparecer na pulseira – e de que maneira.
O aplicativo também pode ser usado como uma espécie de ponte entre a pulseira e outros dispositivos conectados à internet que estejam por perto. O alarme do carro ou uma campainha wireless, por exemplo.
Parece simples. E é para ser, mesmo. A ideia dos criadores Jean Michel Wolf e Felipe Gonsalez Honório nunca foi competir com os relógios inteligentes, de ponta, que são, a seu modo, computadores de pulso. Quiseram criar uma tecnologia barata, que permita um uso mais completo dos smartphones por pessoas surdas.
Para Wolf, os aplicativos disponíveis no mercado levam em conta um “padrão de usuário”, pressupondo, por exemplo, que o dono do celular consegue ouvir, andar, falar, tem sensibilidade tátil padrão, é “alfabetizado” digitalmente. Mas, na prática, não é assim. E Jean e Felipe confirmaram isso durante a pesquisa para o projeto, apresentado como trabalho de conclusão de curso (TCC) em Engenharia Elétrica.
Uma reclamação constante entre os surdos diz respeito à “ansiedade” diante da tecnologia. Como os demais, precisam lidar com a mania de checar o tempo todo se uma mensagem chegou, por exemplo. De forma particular, essas pessoas padecem por não conseguirem enxergar se a campainha (que funciona com uma lâmpada) “tocou”, em um dia de sol. Uma professora contou que seu apartamento foi inundado e ela não conseguiu ser avisada, por estar longe do celular.
“Eu uso o celular. Se eu deixo no bolso, tudo bem. Se está longe, não percebo. Esta união com a pulseira seria bem interessante. É uma forma de ter a tecnologia a nosso favor, estar em pé de igualdade no mercado de trabalho, ter acesso à informação, não atrasar nos seus horários”, conta Rita de Cássia Maestri, que é surda, professora de Língua Brasileira de Sinais (Libras) na UTFPR e prestou uma espécie de assessoria para o projeto.
Viabilidade financeira
Para ser vendida no varejo, falta à Lepee um investidor. A pulseira foi desenvolvida com um olho na viabilidade financeira, critério, aliás, para aprovação no TCC.
Produzir a pulseira de modo artesanal é difícil e caro. Algumas das peças utilizadas nem sequer são vendidas em lojas. Jean e Felipe recorreram à sucata tecnológica para conseguir resistores SMD, por exemplo.
As peças, que são do tamanho de um grão de açúcar, foram retiradas de helicópteros de brinquedo e MP3 players antigos e utilizadas na placa da pulseira.
A bateria de íon-lítio também não é fácil e nem barata de ser comprada uma a uma. Em escala industrial, a produção seria barateada. Para os desenvolvedores, o preço ideal seria algo em torno de R$ 150, considerando os custos de produção e a margem de lucro.
Cultura surda
Na contramão das tecnologias disponíveis para pessoas surdas, a pulseira desenvolvida por Jean e Felipe não se propõe a tratar os surdos como ouvintes. Os estudantes dizem ter se inspirado em Charles Michel L’Épée, considerado o “pai dos surdos” e criador da linguagem de sinais.
A professora Rita de Cássia Maestri apoia a ideia. Para ela, a atenção da academia ao tema ganhou um impulso com um decreto federal 5.626, de 2005, que regulamentou o ensino da Libras nas universidades.
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