Depois de anos de consideração, a Food and Drug Administration (FDA, na sigla em inglês, é o órgão de controle de alimentos e medicamentos do governo dos Estados Unidos) determinou que para pacientes com depressão profunda – e cuidadosamente selecionados – os benefícios da terapia eletroconvulsiva, tão demonizada, superam os riscos da eventual perda de memória causados pelo uso.
Citando evidências de 60 testes randomizados (um tipo de estudo experimental feito aleatoriamente) da ECT, como é conhecida a terapia eletroconvulsiva, a FDA reconheceu que há risco, mas considera que há provas suficientes que seria benéfico facilitar o acesso ao tratamento para certas pessoas.
Os dispositivos usados para administrar a ECT são regulados pela agência como Classe III. Esta é a designação para mais alto risco, e isso faz com que os equipamentos estejam sujeitos ao mais alto nível de controle regulatório. A FDA está propondo “rebaixar” a avaliação para Classe II para aqueles pacientes com depressão que não estão respondendo a outros tratamentos ou se o quadro é tão severo que eles precisariam da resposta rápida que só o ECT pode oferecer.
Para outras condições médicas – incluindo a catatonia, um estado letárgico de imobilidade para o qual a ECT é considerada por alguns psiquiatras como um dos poucos tratamentos eficazes – a FDA afirma que há poucos testes randomizados publicados para justificar a designação de Classe II.
“O comprometimento cognitivo e de memória continuam sendo os riscos que geram mais preocupação para médicos e pacientes”
Nos Estados Unidos, estima-se que 100 mil pessoas entre as três milhões que sofrem de depressão resistente podem aderir a ECT a cada ano, um número que pode subir caso a designação de classe seja aprovada. Ao gerar um breve pulso de energia elétrica para o cérebro, o dispositivo induz uma convulsão generalizada. Por razões que não foram totalmente compreendidas, o resultado é que muitos pacientes se sentem melhor depois de tudo.
Se de fato finalizada, a nova avaliação pode encerrar décadas de disputas sobre qual a melhor regulação para um tratamento controverso. A primeira vez que a FDA propôs classificar o ECT como Classe II foi em 1978, antes de mudar de ideia por causa da forte oposição da opinião pública. Houve uma nova tentativa em 1990, mas a mudança não foi finalizada.
Uma recente revisão da agência sobre os testes clínicos publicados descobriu que o risco de morte aparenta ser muito baixo, similar ao de procedimentos cirúrgicos menores (cerca de 1 para cada 80 mil tratamentos).
Para minimizar riscos
FDA propôs novas formas de controle no uso da ECT, incluindo o esclarecimento obrigatório aos pacientes dos potenciais riscos e reações adversas. A agência também poderia impor novas exigências para rotulagem dos dispositivos, testes, calibração e treinamento, todos desenhados para assegurar sua função e uso apropriado.
A revisão descobriu que não é incomum pacientes apresentarem dificuldades em formar memórias nas horas e dias após o tratamento, mas essa habilidade gradualmente ‘retorna ao nível base’ dentro de três meses. Da mesma foram, pacientes veem prejuízos na habilidade de recordar imediatamente após o tratamento, mas isso também “parece melhorar com o tempo”, diz a agência. Ainda assim, os dados científicos sobre a perda de memória além de seis meses após o tratamento são deficientes, então, não há uma conclusão se a memória autobiográfica retorna ao nível base com o tempo.
Mudança positiva
Renée Binder, última presidente da Associação Americana de Psiquiatria e professora de psiquiatria na Universidade da Califórnia, em São Francisco, disse ser a favor da mudança. “A ECT é indicada para o mais severo tipo de depressão, quando nada mais está dando resultado”, ela diz. “Estamos falando de uma pessoa que não está comendo nem dormindo. Muitos desses pacientes não podem nem sair de casa. Esse é um outro tipo de depressão, diferente do que a maioria de nós está familiarizado. É incapacitante. Esses pacientes comumente desenvolvem tendências suicidas. É uma doença com risco de morte”.
Para esses pacientes, ela diz que “a ECT é a terapia mais efetiva e o tratamento de resposta mais rápida. Depois de poucas sessões, você pode perceber uma melhora notável no estado mental do paciente”.