O transtorno de humor bipolar é uma doença da qual ainda não se sabe muito sobre as causas e não há exames que possam comprovar o diagnóstico. Um dos mistérios que os pesquisadores estão desvendando são os danos cerebrais causados pela doença. Uma pesquisa realizada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre indica que episódios recorrentes do transtorno tendem a causar uma redução de volume em certas áreas do cérebro, como o hipocampo, responsável pela memória.
O que é
Conhecido pela alternância entre fases de mania e depressão, o transtorno bipolar apresenta um rol de sintomas e nuances que não se restringem à oscilação de humor e que tornam o diagnóstico mais complicado. No Brasil, uma pessoa com o problema demora, em média, seis anos para descobrir que sofre com a doença.
Tipos
Dois são os tipos em que se divide o transtorno bipolar: no tipo 1, o paciente apresenta episódios de mania, que pode se manifestar como psicose e, no tipo 2, menos grave, apresenta hipomania – a pessoa fica acelerada, dorme mal, tem exaltação de humor. As duas formas trazem algumas dificuldades para o diagnóstico. O tipo 1 pode ser confundido com doenças como a esquizofrenia e o tipo 2 com depressão.
“Mas isso não ocorre com todos. Alguns exames, particularmente a ressonância magnética, é que ajudam a fazer essa distinção”, diz o psiquiatra Flávio Kapczinski, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Programa de Tratamento do Transtorno de Humor Bipolar do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Kapczinski estuda as bases biológicas do transtorno e faz parte do grupo de pesquisadores do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Os prováveis danos causados ao cérebro pelos episódios constantes da doença reforçam ainda mais a importância da adesão ao tratamento. “Até pouco tempo atrás não se considerava o transtorno bipolar uma doença que causasse danos cerebrais. Hoje já se sabe que pode deixar uma sequela”, reitera a psiquiatra Helena Maria Calil, ex-presidente da Associação Brasileira de Amigos, Familiares e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata) e com longa atuação na área.
Preconceito com a doença ainda é grande
Assim como em outras doenças mentais, o preconceito no transtorno bipolar atua sobre as dificuldades de procurar ajuda. “O estigma ainda é muito grande no Brasil. Alastra-se o mito de que todo mundo é bipolar, mas 90% não são. Vira até adjetivo. Isso apenas acentua o preconceito. E, quando alguém fala que tem transtorno bipolar, as outras pessoas se afastam. Mas quem tem, quando bem tratado, não aparenta o transtorno”, diz a pesquisadora e psiquiatra Doris Hupfeld Moreno, da USP.
Por isso também que o nome mudou de psicose maníaco-depressiva para o atual, conta o psiquiatra José Alberto Del Porto. “O termo psicose é muito carregado de estigma, e nem sempre o transtorno bipolar se configura por ele. Temos formas mais leves que se caracterizam mais por exaltação do humor, sem ter delírios, que é uma marca da psicose.”
Para Doris Hupfeld Moreno, psiquiatra e pesquisadora do Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da USP, todo paciente para o tratamento ao menos uma vez na vida, o que faz do conhecimento do transtorno algo essencial para as pessoas. “Para todas as doenças crônicas, a adesão é um problema. Por isso, faz parte do tratamento entender os sintomas. Todos param o tratamento alguma vez. Cada um precisa “apanhar” da doença, para, aos poucos, aprender a se tratar. É um processo”, diz.
Tratamento
Para ficar bem, o paciente de transtorno de humor bipolar precisa se conscientizar de que, depois do diagnóstico, não deve mais abandonar a medicação e, também, fazer mudanças no estilo de vida. A doença tem forte componente genético – nos casos em que um familiar de primeiro grau tem o transtorno, aumenta-se de 1% para 10% os riscos de ter a doença –, mas também pode ser influenciada por muitos fatores ambientais. Sono desregulado, estresse, uso de drogas e abuso de álcool podem ajudar a desencadear crises.
“O que a gente trabalha com os pacientes é que o estilo de vida tem de sair do sedentarismo e se aproximar muito do atlético, como se fosse se preparar para uma competição, com uma dieta regrada, horários regulados, trabalho regular”, diz Flávio.
A família pode ajudar no diagnóstico porque será quem contribui nas informações do histórico da pessoa. Mas também tem papel importante no acompanhamento do tratamento.
“Em primeira instância, vem o medicamento, mas, em geral, associações de familiares conseguem cumprir uma parte que nosso sistema de saúde não cumpre. Elas ajudam a pessoa a conviver melhor com a sua doença. Para que a aceite melhor, por meio de palestras psicoeducacionais e grupos de autoajuda”, complementa Helena.
Sintomas geralmente aparecem na infância e na adolescência
A maioria dos sintomas de transtorno bipolar já ocorre na infância e na adolescência, um período em que as primeiras manifestações da doença podem se apresentar ao mesmo tempo em que outros transtornos aparecem, como déficit de atenção, por exemplo. Mas, às vezes, é somente na fase adulta que se dá o diagnóstico.
“Quando conversamos com um adulto bipolar, muitas vezes descobrimos que os sintomas começaram por volta dos 14 ou 15 anos” explica a psiquiatra de crianças e adolescentes do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Silzá Tramontina.
Além disso, quando o adolescente apresenta irritabilidade, os pais podem tomar como “algo da adolescência”, quando, na verdade, esse já pode ser um sintoma das fases de mania ou hipomania, ressalta Doris Hupfeld Moreno, psiquiatra e pesquisadora do Grupo de Doenças Afetivas do Instituto de Psiquiatria do Hospital de Clínicas da USP.
“Confunde-se, mas talvez não seja. Normalmente, quem percebe são os pares, colegas de escola, porque esses adolescentes (com transtorno bipolar) são os que, frequentemente, praticam ou sofrem bullying.”
Em um diagnóstico completo, os sintomas são muito semelhantes aos de um adulto, mas com algumas particularidades. “A sexualidade, por exemplo, aparece de um jeito diferente. A criança pode querer tirar a roupa na sala de aula”, afirma Silzá.
Outra diferença aparece nos períodos das fases em que a doença se apresenta. Em adultos, é preciso uma semana de sintomas de mania, por exemplo, para caracterizar a doença. Para os pequenos, pode ser algo que varia bastante mesmo no decorrer de um dia.
A especialista ainda ressalta que, mesmo que pareça haver um aumento nos casos, é uma prevalência baixa. “ Hoje, vemos muito diagnóstico em cima disso. Mas precisamos lembrar que é raro. Quando começa a se falar demais disso, as pessoas ficam muito alertas. Diversas crianças são diagnosticadas por outros profissionais, que desconhecem as peculiaridades de quando a doença se apresenta nessa faixa etária.”
Ainda que não haja um estudo em grande escala sobre a prevalência da bipolaridade na população infantil, estudiosos estimam que ela atinja até 2% de crianças e adolescentes ao redor do mundo.
Uma pesquisa do Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos, publicada na revista Archives of General Psychiatry, mostrou que, após mais de 10 mil entrevistas com adolescentes entre 13 e 18 anos, descobriu-se que uma média de 2,5% deles teve episódios de mania e de depressão nos últimos 12 meses e preencheu os critérios para o diagnóstico do transtorno.
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