A crise financeira que tomou conta do país afetou também o já combalido orçamento do Ministério da Saúde. A pasta terá cerca de 8% a mais de recursos que em 2015, mesmo assim o valor de R$ 118 bilhões previsto para a área preocupa gestores. Para o secretário estadual da Saúde do Paraná, Michele Caputo Neto, o maior problema é o valor reservado para o pagamento de procedimentos de média e alta complexidade financiados pelo SUS.
Esse dinheiro, que basicamente banca os serviços hospitalares, foi pouco para este ano. Para 2016, a expectativa é ainda pior. “Em 2015 acabou ali por outubro e no ano que vem talvez não chegue nem a isso”, disse Caputo Neto em entrevista à Gazeta do Povo concedida uma semana antes do Natal.
Nesta conversa, o secretário também falou sobre o orçamento estadual para a saúde, o início das operações da Fundação Estatal de Atenção à Saúde do Paraná (Funeas) previsto para os primeiros meses de 2016 e as ações de enfrentamento ao zika vírus. Confira:
O ano de 2016 promete ser complicado em relação a repasses do governo federal. O que o Paraná espera do Ministério da Saúde?
A nossa expectativa para 2016 é a pior possível. Por quê? Porque o orçamento que foi enviado [para votação dos parlamentares] não dá conta de pagar nem os compromissos de Teto MAC (dinheiro que serve para o pagamento de procedimentos de média e alta complexidade) e já foi com alguns cortes, como o não financiamento de unidades básicas de Saúde da Família e do cofinanciamento da Farmácia Popular. O teto para a média e alta complexidade não vai dar para o ano todo.Em 2015 acabou ali por outubro e em 2016 talvez não chegue nem a isso. E esse dinheiro financia a parte nefrálgica do sistema. É o que paga atendimentos hospitalares, leitos de especialidade, procedimentos especializados na área de oncologia e em todas especialidades.
Então teremos uma situação difícil nos hospitais públicos até o fim de 2016?
No caso dos que estão sob o nosso teto, cerca de 320 municípios, estamos fazendo um esforço para cobrir esses déficits que o ministério possa ter e quando vier o pagamento, a gente recompõe esse dinheiro investido. Já fizemos isso em anos anteriores. Então, apesar de não ser compromisso nosso, também não seria uma prática nova. Em relação aos municípios de gestão plena – dos 399 municípios, 70 têm a gestão total do seu sistema, caso de Curitiba, Londrina, Foz, Maringá –, que recebem direto do Fundo Nacional de Saúde, eles têm de fazer uma negociação direto com o ministério.
E qual será o orçamento do estado para a saúde?
Com relação ao Paraná, quero fazer alguns esclarecimentos. Por exemplo, estão dizendo que o orçamento estadual da saúde vai ser menor que em 2015.Isso não é verdade. Neste ano, o orçamento tem R$ 150,7 milhões a mais que o orçamento de 2015. Ele não é menor que o orçamento de 2015. Segunda questão, esse orçamento de 2016 assegura o cumprimento de 12% da receita para a saúde [obrigação constitucional]. O orçamento da pasta é de R$ 3,6 bilhões para uma receita estimada de R$ 27,3 bilhões. [No fim de 2015, Caputo estimava que o orçamento da área ficaria em 12,3% do orçamento].
Mas houve redução de recursos para algumas áreas, como nos investimentos.
Não é que teve redução. O orçamento tem iniciativas. Nós temos 23 iniciativas no nosso orçamento. Em algumas houve redução e em outras tivemos ampliação. Não teve redução porque o orçamento é menor, mas porque houve uma mudança de foco nas ações. Diminuímos a parte de investimento de capital porque a gente investiu muito nesses últimos anos, construindo unidades de saúde e ampliando prédios. Tudo isso trouxe uma necessidade de concentrar o orçamento no custeio. Que é aquele recurso que vai pagar profissional, água e luz, material médico... Coisas que fazem com que essas estruturas possam ter condição para trabalhar. Outra coisa que entrou nesse orçamento de 2016 foi a autorização para abrir concurso para 2.114 vagas. Nós já colocamos no orçamento de 2016 o impacto desse acréscimo de funcionários. O edital do concurso deve sair em fevereiro e março e esses profissionais devem começar a serem chamados em setembro e outubro.
No começo do 2015, o senhor apresentou ao Ministério da Saúde uma conta de pouco mais de meio bilhão. De lá para cá, quanto foi pago e quanto o Ministério da Saúde ainda deve ao estado na sua avaliação?
Naquele momento, apresentamos uma conta de R$ 540 milhões. O que aconteceu de pagamentos de forma substancial até agora [dezembro] foram R$ 13 milhões do credenciamento das UTIs do Hospital Rocio. Dos R$ 540 milhões também tiramos R$ 109 milhões relacionados à compra de medicamentos. Não porque esse valor foi pago, mas porque ajuizamos uma ação para cobrança. Isso porque são medicamentos que o governo federal só ressarce se a gente tiver a sentença do juiz [determinando o pagamento pela União]. Não havia a sentença, mas esses claramente são medicamentos de compra centralizada pelo ministério. Por isso, ajuizamos a ação. Da parte de medicamentos, ainda tem R$ 28 milhões que o ministério admite ressarcir. Mas, até agora, não recebemos nada.
Como ficou a situação da Rede Cegonha, que também estava nessa conta de R$ 540 milhões que o senhor apresentou?
O Paraná continua a ter um tratamento desigual. Só desse programa a conta é de R$ 60 milhões por ano. No Paraná, só tem 30% do estado implantado. São Paulo é 70%, Santa Catarina é 100%, nos estados do Norte e Nordeste é 100%. Aqui no Paraná é só nas regiões metropolitanas de Maringá, Curitiba e Londrina. Só que onde tem a Rede Cegonha, os hospitais que atendem a gestação de alto risco e a criança neonatal passam a receber da UTI de R$ 470 para R$ 800. Isso sem ter que dobrar despesas ou aumentar gente. Isso significa para alguns hospitais de R$ 200 mil a R$ 300 mil a mais por mês.
Está previsto para o começo do ano o início da Funeas. O que esperar dessa fundação?
Nós, enfim, vamos poder assumir alguns serviços que falávamos desde a ideia da criação. O primeiro será o Hospital de Reabilitação. Porque lá o parceiro não dá conta de fazer o que precisa ser feito. A APR (Associação Paranaense de Reabilitação) tem expertise para fazer cadeiras de rodas, muletas, sapatos ortopédicos. Mas não tem condição de tocar um hospital que precisa contratar médicos, enfermeiros e outros profissionais altamente especializados. Disso você também não dá conta com o plano de cargos e salários. Porque uma coisa é fazer um tratamento de fisioterapia, outra coisa é fazer algo como a rede Sarah Kubitschek faz. Então, o primeiro alvo é o Hospital de Reabilitação. Depois, ela irá substituir parcerias condenadas, como da Funpar no Hospital do Litoral.
Mas a Funeas vai passar a administrar como um todo essas unidades?
Ela vai fazer a gestão de tudo. Quando precisar contratar esses profissionais que não se dá conta por meio de concurso público, se contrata via Funeas com recursos públicos. Porque ela é pública e está dentro do campo público, mas é de direito privado para fins de liberdade de ação com relação a agilidade administrativa e o poder de contratar profissionais que historicamente você não resolve com concurso público. Permite contratar, por exemplo, profissionais que o mercado diz que têm salário de R$ 30 mil, mas que o plano de cargos e carreiras diz que só podem receber até R$ 6 mil. Se não fizer assim, você pode realizar centenas de concursos públicos e não vai conseguir contratar o cara que precisa.