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Ameaça

Proibir aplicativos é a nova forma de censura digital. E isso pode ser devastador

 | DOUG CHAYKA/NYT

Recentemente o governo chinês obrigou a Apple a remover aplicativos do “New York Times” da versão chinesa da App Store. Depois, o governo russo fez a Apple e o Google tirarem o aplicativo do LinkedIn, rede social profissional, depois que esta se recusou a transferir os dados sobre cidadãos russos para servidores daquele país. Por fim, um órgão regulador chinês pediu que as lojas de aplicativo em funcionamento no país se registrassem com o governo, um aparente precursor de restrições maiores.

Tais atos podem parecer incrementais e, talvez, não imediatamente alarmantes. A China restringe a internet desde sempre, e a Rússia não é um bastião da liberdade de expressão. Então, o que é tão perigoso em bloquear aplicativos?

A resposta é esta: é a forma de censura mais eficaz.

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Bloquear um site é como tentar impedir vários caminhões de entregar um livro proibido; isso exige uma infraestrutura de ferramentas técnicas (coisas como o “Grande Firewall” da China) e os usuários empreendedores sempre podem dar um jeitinho. Já proibir um aplicativo na loja é como fechar a impressora antes de o livro ser publicado. Se o aplicativo não estiver na loja de aplicativos de um país, ele não existe. A censura é quase total e inescapável.

Só que a história não acaba aí. A proibição de aplicativos destaca um problema mais profundo em nossa arquitetura de comunicação moderna: a centralização da informação.

“Acho que a questão da censura à loja de aplicativos é uma camada de gelo na superfície do iceberg acima da água”, diz Eben Moglen, professor da Faculdade de Direito da Universidade Columbia, e uma das principais vozes do movimento de ativistas do software livre que há tempos vem alertando sobre os perigos do software comercial com administração centralizada.

Durante mais de uma década, nós, os usuários de aparelhos digitais, temos defendido ativamente uma infraestrutura on-line que agora parece singularmente vulnerável às sanções de déspotas e outros que buscam controlar a informação. Nós nos reunimos em smartphones, lojas de aplicativos, redes sociais e sites de armazenagem na rede. Editoras como o “New York Times” estão investindo em aplicativos e conteúdo publicado em redes sociais em vez da comparativamente aberta internet. Algumas startups agora se valem exclusivamente de aplicativos; o Snapchat, por exemplo, somente existe como aplicativo de celular.

Comparado a formas mais antigas de distribuição de programas, os aplicativos baixados das lojas são mais convenientes para os usuários e costumam ser mais seguros contra programas mal-intencionados, além de serem potencialmente mais lucrativos para os criadores. Mas, a exemplo de tanta coisa on-line agora, eles correm o risco de alimentar os mecanismos do controle central. Na maioria dos países, as lojas da Apple e do Google são os únicos lugares para achar aplicativos para dispositivos que rodam seus respectivos sistemas operacionais. Existem mais escolhas de lojas Android na China, onde o Google não oferece sua loja.

Quase todo o valor econômico da internet está conectado a dois lugares muito específicos: a área da Baía de San Francisco e Seattle, lares da Apple, Amazon, Google e Facebook, as quatro monstruosamente grandes empresas que detêm as plataformas da informação central da internet. Enquanto essas empresas começavam a construir impérios on-line maiores do que nunca, elas se transformaram em gargalos convenientes – os próprios pontos de controle que a internet deveria eliminar.

Empresas contra governos

A exemplo de todas as companhias, aquelas on-line devem oferecer algum nível de respeito aos governos. Elas obedecem às leis locais e nacionais, ordens de tribunais e às autoridades de segurança nacional, e se dobram a outras formas de coerção menos transparentes. Podem enfrentar governos – como a Apple fez ao encarar o FBI não desbloqueando o iPhone de um terrorista no ano passado –, mas elas geralmente têm de escolher suas batalhas e equilibrar os interesses. A Apple obtém uma boa parcela de seus lucros na China. Será que pode correr o risco de perder todos esses bilhões para proteger um punhado de aplicativos?

A Apple ofereceu este comunicado oficial em resposta às minhas perguntas sobre como decidi excluir aplicativos: “Já faz algum tempo que o aplicativo do ‘New York Times’ foi proibido de exibir conteúdo para a maioria dos usuários na China e nós fomos informados que ele viola regulamentações locais. Em resultado, o aplicativo deve ser tirado da App Store chinesa. Quando essa situação mudar, a loja voltará a oferecer novamente o aplicativo do ‘New York Times’ para baixar na China.” O Google não quis comentar.

Mas Eva Galperin, diretora de segurança cibernética da Electronic Frontier Foundation, organização pelos direitos digitais, diz que os gigantes da internet tinham margem de manobra nessa luta.

“O outro lado da moeda é: a China vai bloquear toda a sua loja de aplicativos por causa de um aplicativo só?”, indaga ela. Curiosamente, os gigantes da internet se agarram a todos os aspectos da vida profissional on-line para tirar proveito nos enfrentamentos com os governos.

“Quanto maior a empresa, maior o risco de que bloqueá-la levará a tumultos nas ruas porque você se mete entre as pessoas e suas fotos de gatos. São essas as empresas que os governos mais temem bloquear, e elas deveriam ser as que peitam a pressão governamental. Elas têm uma responsabilidade especial”, afirma Galperin.

Usuários e desenvolvedores de aplicativos que agora correm o risco de censura também têm alguma responsabilidade. Quando perguntei a Moglen sobre aplicativos proibidos, ele ficou nervoso por eu não ter reconhecido a própria cumplicidade do “New York Times” nessa história.

Segundo ele, o jornal poderia ter mantido a forma antiga de publicar notícias. A empresa poderia ter se recusado a criar um aplicativo e investido todos os seus recursos de engenharia em tornar suas notícias disponíveis na web, anonimamente. O “Times” poderia ter se recusado a usar o perfil dos usuários com fins publicitários, ter suas reportagens publicadas no Facebook ou monitorado o que as pessoas leem, para recomendar mais matérias e mantê-las envolvidas. Em resumo, o jornal poderia ter se recusado a entrar no jogo da publicação digital moderna. Mas como todas as outras editoras, ele foi junto.

“O que você esperava que acontecesse? A China não tinha de construir um Grande Firewall para fazer isso. Todos vocês lhe deram a oportunidade de pegar carona no seu desrespeito pela privacidade, integridade e autonomia de seus leitores e usuários”, questiona Moglen.

Não concordo com Moglen que o “Times” desrespeite seus leitores ao lhes oferecer um aplicativo de notícias. Mas ele tem razão quando afirma que muita gente on-line caminhou cegamente para a posição sem possibilidade de vitória em que estamos agora, onde nosso único recurso contra a censura pode ser a boa vontade de algumas empresas gigantescas que controlam a maior parte da internet.

Deve haver outra saída. Vamos talvez procurá-la.

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